16.2.05

Alentejo agro rural
E A GLOBALIZAÇÃO
1----A globalização é , acima de tudo , um rápido processo de alteração das regras convencionais das transacções comerciais ,com especial incidência nos produtos agrícolas .Sob a designação de OCM ( organização comum de mercados ) teve inicio há dez anos no Uruguai ; avançou consideravelmente ,há cinco , em Doha ; ficando praticamente concluído , recentemente , em Genebra.
Só dez anos e hei-nos envolvidos no mais vasto e complexo processo de internacionalização de abastecimento de alimentos , de contenção da degradação ambiental e, enfim ,em tornar mais amistosas e interdependentes as relações internacionais . È , pois ,essencialmente agrícola , interferindo enormemente no mundo rural , aonde certas situações agrofundiárias, desconformes com o meio ,não têm lugar
E em relação a nós , detentores de uma região agrícola excelente , vastíssima e com uma identidade agro-cultural impar , que estamos a fazer para nos adequarmos á nova ordem comercial ? É uma resposta que tem que ser dada com a máxima urgência .
Como sempre , face a situações que requeiram coragem politica para alterar os direitos adquiridos , arranjamos uma desculpa para não agir . A de momento , a desculpa para manter o imobilismo é a de que “ tudo isto é injusto já que os produtos oriundos da globalização são manufacturados por pessoas com menos direitos no trabalho “. Como se esses tão apiedados adquirentes , ao compra-los , levassem em linha de conta se os direitos de quem os confeccionou estão ou não salvaguardados Convenhamos que , para alem de falta de coragem para enfrentar os problemas , há aqui uma elevada dose de hipocrisia
2--- É tempo perdido questionar se a globalização é boa ou má .Ela é irreversível Ela é um facto. .Melhor seria , portanto , que nos preparássemos para nos integrarmos nela .Aliás , sob o ponto de vista agrícola e tendo em conta a fome que vai pelo mundo , é uma inovação justa e de grande alcance político/social que só peca pela demora .
O abastecimento alimentar será melhor conseguido , quando :--- o trigo do Canadá ,circular livremente tornando o pão acessível a mais bocas ; o arroz , das margens alagadas por aguas mornas dos transbordantes rios africanos, abastecer os mercados internacionais em substituição do nosso que requer elevados gastos em hidráulica agrícola ; dos bovinos das pampas argentinas e do sul do continente africano, porque perfeitamente integrados na natureza , resulta carne de qualidade a baixos preços ,o mesmo se passando com os ovinos da Austrália e Nova Zelândia; as enormes quantidades de frutos ,das mais s variegadas espécies , abundantes e substanciais , praticamente espontâneos , na faixa equatorial ( bananas , anonas ,abacate ,abacaxis , mangas ,papaias ,goiabas ,etc.) que irão circular livremente e, com isso , melhorar consideravelmente a dieta alimentar de muita gente ; as hortaliças frescas , em épocas desencontradas , provenientes do outro hemisfério ,estarão na nossa mesa durante todo o ano, afastando os conservados no frio ou cultivados em estufas , tantas vezes á custa de produtos fitofármacos que , não raro, os tornam perigosos ; etc.
Para alem da questão alimentar ,desde que cada qual cultive de acordo com a natureza da sua região ,ou, por outras palavras, perca a tentação de produzir aqui aquilo que outros fazem melhor noutros horizontes ecológicos , todos os problemas alimentares e agro ambientais , terão solução .Designadamente :-- deixará de ser necessário o recurso ás grandes desflorestações com graves consequências climáticas , ao emprego massivo de pesticidas que afectam o ecossistema ; o uso de OGM , cujas consequências não ainda bem calculadas mas que a sua introdução ,no actual estádio de desenvolvimento ,pode ainda esperar ; entre outras .
3--- O problema , que tanto angustia o terceiro mundo , consiste no facto de , não obstante a Europa estar totalmente aberta á entrada de produtos agrícolas , estar dificultada a sua entrada porque entre nós há substanciais apoios directos aos produtos agrícolas através da PAC Quase tudo ,directa ou indirectamente , é subsidiado :--- cereais , carne , leite ,oleaginosas ,têxteis , açúcar e tabaco ,principalmente .
Vejamos um exemplo dos seus efeitos : - o trigo é vendido entre nós a 25$00 o kilo. Porem este preço só é possível porque o seu cultivo é objecto de diversos subsídios que vão para alem do dobro daquele valor Ora , com tais preços de mercado ,não é possível alguém fornecer trigo desde que , tal como acontece entre nós , não tenha sido altamente subsidiado .Nestas condições ,os países do terceiro mundo acusam-nos de distorcer as regras do mercado .Estão portanto impossibilitados de exportar. Sendo assim algo tem que mudar no sector agrícola .
Jamais porem deixa-lo fenecer A Europa (nesse aspecto nós não fazemos parte ) é intransigente na defesa do seu ruralismo .Daí que tenha vindo a proceder de uma forma persistente e continuada , no sentido da sua reestruturação a fim de manter as pessoas no campo quanto mais não seja como “jardineiros da paisagem “como se costuma dizer A sua capacidade industrial garante a troca por alimentos
Enquanto nós continuamos a recalcitrar pelo facto dos tecidos serem manufacturados por operários sem direitos ( fingindo desconhecer que o problemas é de comércio agrícola ), enquanto que aqueles preparam o seu mundo rural para resistir ao embate
Há quem entenda que essa cedência é devida ao receio da industria europeia ser preterida ou deixar de haver apoios nas relações internacionais .Não é. Isso não seria o suficiente para demover essa Europa (que não nós ) ciosa do seu mundo rural , a expô-lo á concorrência A verdade é que auto - suficiência alimentar , conseguida na Europa , foi á custa da intensificação agrícola da qual resultaram gravíssimos problemas de saúde pública ; as aguas superficiais ou subterrâneas quer fluviais quer marítimas estão gravemente inquinadas ; o meio ambiente em acelerada degradação; há ainda a questão da desertificação dos campos inaceitável para os nossos parceiros Face a isto a Europa vai ceder .Cede , não sem que antes tenha canalizado elevados meios ,de forma a salvaguardar a sua ruralidade
4--- Para quem pense que os seus efeitos vão demorar ,ou que estou a exagerar , faço notar que , só no ultimo decénio, em Évora , e por pressão dessa mesma globalização ,desapareceu o centenário centro de negócios de gado , que era a Praça do Geraldo ás terças-feiras . Essa forma de negociar foi transferida para as associações as quais , por sua vez , concentrando a produção ,negoceiam com as grandes superfícies a partir das quais se processa o abastecimento público ;Outro exemplo :-- a nossa produção ,que há dez anos satisfazia metade das nossas necessidades alimentares ,hoje está reduzida a um quarto. Quem tenha dúvidas atente bem nestes casos e daqui infira o que nos espera .È a globalização, na sua força imparável , que cilindra os negligentes
Face a isto uma interrogação se nos põe : --- Sendo o Alentejo uma imensa e riquíssima região agrícola , qual a nossa posição nesse mundo agrícola globalizado ? É simples ::---- Uma intervenção fundiária , coisa que só o estado pode empreender , que vise adequar , não só a dimensão das explorações como uma certa postura ruralista , á nova ordem de forma a que o espaço rural , para alem de produzir alimentos , se humanize e preserve paisagem .Que se crie , em vez da actual solidão dos campos, imprópria para a fixação das famílias , uma nova malha de povoamento que possibilite as indispensáveis relações de vizinhança ,a partir das quais se estabeleça um são e auto -sustentável ruralismo
Condições estas que urge implantar não em função da área possuída ou das necessitas de tesouraria de cada um , mas em nome de um são realismo agrorural .Só então é possível definir as grandes linhas mestras da nossa integração nesse mercado globalizado
. Conhecendo ,como conheço , a nossa incapacidade para enfrentar os arcaicos direitos presentes no Alentejo que remontam a 1835 ( aquando da venda dos bens nacionais -quer dizer das terras do Alentejo- ), e a mais completa abulia nas populações rurais ,uma interrogação se nos põe . Será que nós somos capazes ? Veremos .
.FRANCISCO PÂNDEGA ( e-mail.:-- fpandega@iol.pt )--

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