11.4.05

A HORA DA VERDADE

Alentejo agrorural ( lll )

A hora da verdade

Ide a uma grande superfície comercial e vede os efeitos da globalização no comércio das horto-frutícolas , carne e legumes, e reparai nas opções aquisitivas das donas de casa
São estantes e estantes a abarrotar dos mais diferentes produtos , das mais diversas proveniências , expostos lado a lado , ao dispor dos adquirentes ,possibilitando uma escolha absolutamente livre e consciente por comparação A opção por este ou aquele produto deriva somente do trinómio preço ,qualidade e apresentação . Aquelas outras questões ,tais como o trabalhos mal remunerado , o trabalho infantil ou a preferência pelo que é nacional, são questões postergadas para outros fóruns São estas as regras e é com elas que temos que viver neste mundo globalizado Não são elas que irão mudar ,somos nós que nos temos que adaptar .

1---- Se bem que sejamos nós , os agricultores , os mais seriamente afectados , já que nos vai ser movida uma enorme concorrência , assim como o cessar dos subsídios á agricultura, por outro lado beneficia os consumidores , em geral , já que estes , aliás nós todos , vão poder adquirir alimentos mais baratos , diversificados e melhor distribuídos ao longo do ano .
Há outras razões que favoreceram a anuência da Europa á globalização ,não obstante ser muito ciosa da protecção aos seus agricultores . Como se sabe , no após ultima guerra mundial , a Europa apostou na auto-suficiência alimentar por meio da intensificação agrícola .Se bem que o resultado se tivesse pautado pela abundância e até excedentes , a forma como alguns desses alimentos são produzidos , fá-los ser de má qualidade, senão mesmo até perigosos para a saúde pública Alem disso ,essa intensificação, está a danificar o meio ambiente e a inquinar as aguas superficiais assim como as interiores .Daí a inevitabilidade da Europa abrir as portas á globalização

2--- Na verdade em agricultura tudo é possível em termos de produção .Deixa de o ser , porem , quando se tenha que viver do seu rendimento ; quando se tenham preocupações com o meio ambiente ; ou respeito pela saúde daqueles que se alimentam do que produzimos .Nessa altura é preciso ser-se profissional
Nessa altura é preciso desfazer alguma confusão que reside na cabeça de alguns técnicos :-- é a incapacidade de discernir as duas vertentes fundamentais da arte de agricultar :--- os equipamentos e o meio Os primeiros compreendem ( tractores , alfaias , ferramentas , utensílios ,cercas, ,charcas , equipamentos de rega , medicamentos ,fertilizante ,rações ,etc. ) não tem limites a necessidade de inovações tecnológicas No meio ( pousios , alqueives e regadios, afolhamentos, rotação de culturas ,encabeçamento , sementeiras , engordas, poda e regeneração de montados, preservação da caça, protecção contra incêndios ,etc. ) porque tudo isto se encontra interdependente nele só deve intervir quem tenha interesse directa na exploração e seja detentor da experiência multigeracional a qual nós , comunidade rural tradicional , somos portadores

Na destrinça destes dois factores reside a diferença entre o sucesso e o fracasso na actividade Em relação a isso comenta-se, entre nós , com alguma ironia, “:sempre que surge alguém no mundo agrícola , com inovações em relação as intervenções no meio ,é só esperar algum tempo e ver-se-á que depressa se cansa “.É uma regra que não falha .Tantas vezes perdendo os bens que herdou Outras deixando atras um rasto de incumprimentos financeiros

3—Nessa perspectiva algo tem de mudar em relação á nossa atitude agrorural .Desde as culturas que só têm em vistas a abstenção de subsídios ; o não ter em conta a rentabilidade do investimento , o desprezo pelo meio ambiente ; o estar é distância e pretender, de lá, que outros , cá , lhe viabilizem as suas taras e os seus vícios, tornou-se impraticável .Há ,pois ,em nome da verdade agrícola ,alterações substanciais a fazer .
.Daí que tenhamos que abandonar culturas como a de milho , girassol , algodão , porque de regadio e, como tal ,pertença de regiões aonde chove no verão ;a beterraba sacarina , com custos de produção muito elevados , não pode competir com as vastíssimas áreas de cana- de –açúcar ; os citrinos , porque afectados pelas frequentes geadas ,só estão livres desse perigo á beira do Mediterrâneo ; o leite tem menores custos de produção nas zonas aonde há forragens frescas durante todo o ano ; gado de raças exóticas , cujos solares têm outras características , não podem substituir as raças autóctones .
Que resta para nós ? Interrogar-se-á quem me ler . A resposta é inequívoca . Nós temos um lugar garantido , nesse comércio globalizado ,com os nossos produtos tradicionais cultivados por sistemas amigos do meio ,que nós , comunidade rural tradicional , tão bem sabemos fazer .Com a vantagem estratégica, que não é despicienda , de serem culturas usadas na nossa subsistência alimentar ,o que nos põe a salvo da inteira dependência ,e tantas vezes chantagem ,de outros consumidores .Com a vantagem, ainda , de nem sequer serem produtos perecíveis o que nos alivia das contingências ,tantas vezes imprevisíveis ,de perdas em armazém .
A nossa carne , cereais ,cortiça , vinho, azeite, horto-frutícolas , num comércio em que para produzir não haja batota , ( como por exemplo subsidiar por debaixo da mesa), porque de excelente qualidade , conseguem implantar o seu próprio nicho de mercado .

4----Desta forma ,se conseguirmos eliminar os constrangimentos que vitimam a nossa região e nos arruinam social e economicamente, nós conseguiremos superar as contingências , aliás , exaltantes , da enorme concorrência que a globalização nos impõe Verdade agrícola e adequação do meio á presença de agricultores efectivos , directos e libertos de suseranias , heis a tarefa que se nos impõe neste mundo agricolamente globalizado Mas depressa . Os perigos que espreitam a nossa inércia fazem desta “a hora da verdade “.FRANCISCO PÂNDEGA
Fjnpandega@hotmail.com-- Blog www.alentejoagrorural.blogspot.com