22.8.05

Alentejo agrorural

E OS INCÊNDIOS
1---- O PAÍS ESTÁ A ARDER .Há perdas de vidas e valores ; destruições ambientais ; mobilizam –se as pessoas ; gastam-se fortunas .O drama ir-se-á repetindo , ano após ano , enquanto houver vegetação e não forem tomadas medidas preventivas eficazes .
Eficácia na prevenção significa encarar o problema de uma forma regionalizada .Isto porque ,tanto quanto se percebe , no norte , a propagação faz-se através das copas das arvores e o combate está dificultado devido á orografia do terreno
No Alentejo esse tipo de dificuldades são inexistentes .Entre nós , os incêndios deixam de constituir problema desde que o espaço rural esteja devidamente agricultado e harmonicamente povoado
Agricultado significa a repescagem dos sistemas tradicionais , corrigidos á luz dos recentes conceitos de globalização .Isso implica o uso dos modernos equipamentos agrícolas e restantes factores de produção resultantes das tecnologias hodiernas .
Se reformas há a fazer elas prendem-se com a proibição do plantio da florestas exóticas , principalmente eucaliptos ; com a ocupação racional do espaço alentejano ; e com aquilo a que os marginais do sistema entendem ser uma barbaridade que é “ mobilizar periodicamente todo o solo” . Repito . No Alentejo só deixa de haver incêndios , só se manterá do que resta dos montados e se conservara esta impar paisagem , desde que arado, todo , de lés a lés , com uma periodicidade que não vá para alem dos sete anos .Isto não tem qualquer originalidade .É a nossa pratica corrente no exercício da actividade Sabe-o ,melhor do que eu , qualquer pessoas de um povoado rural
È assim o Alentejo autêntico . Deixa de o ser se apossado por alienígenas


2---- CARACTERIZANDO A FLORESTA alentejana pode-se concluir que , exceptuando algumas faldas de transição e linhas de agua , sendo resultante de um microclima muito específico , da área mediterrânica , é formada por quatro arvores de grande porte :- sobreiros , azinheiras, carapeteiros ( uma pomóidea ) e zambujeiros ( uma oliva ) .Sob o coberto dessas arvores desenvolve-se um substrato , ou camada intermédia, formada por arbustivas :- estevas , sargaços, rosmaninhos , pioneiras e tojos Por fim e num plano inferior , um terceiro tipo de vegetação :--os musgos
Posto isto e numa óptica de protecção contra incêndios há duas situações distintas : Uma , altamente propícia á deflagração de incêndios que é deixar-se de cultivar as terras votando-as ao estado primitivo ou seja á regeneração dos matagais .E outra , a que afasta o perigo de grandes incêndios ,que é a manutenção da terras submetidas ao normal cultivo e pastoreio o que ,entre nós se designa por sistema agro-silvo-pastoril

. . 2.a)---- O Alentejo dos matagais é o estádio normal, para que tende, se votado ao abandono como é previsto que venha a acontecer a breve prazo Para a analise do risco de incêndios ,importa analisar as sucessivas fazes , que se vão sucedendo na terra /floresta alentejana a partir da ultima vez que haja sido mobilizada .Vai-se progressivamente auto-degradando até que , ao fim de vinte anos de abandono , (variável de acordo com o tipo de solo e a intensificação a haja sido submetida ) , atingir o designado clímax .
Nos sete anos seguintes , após a última mobilização , o meio (terra/ floresta ) responde sucessivamente nas seguintes fases :---
---A primeira fase , com uma duração de sete anos , a terra auto-reveste-se por uma cobertura herbácea (pastagem )
---A fase seguinte de sete a catorze anos, a pastagem vai progressivamente cedendo lugar ao aparecimento de arbustivas ; Desaparecem as ervas , o montado /floresta inicia sinais de decrepitude .A concorrência movida pela arbustivas e a falta de mobilização do solo conduzem a fase designada por clímax A degradação do meio ; a agressividade da vegetação ; o chão coberto de folhagem ressequida ; tudo é resinoso e altamente inflamável .É o Alentejo votado ao abandono .É o retorno ao Alentejo dos fogos medonhos e monumentais ,que ainda são recordados pelas gentes mais velhas

I--- Porquê a periodicidade de sete anos ? Interrogar-se-ão aqueles que tenham , em relação a esta matéria , algum interesse . Sete anos é o período em que ,findo o qual , uma terra , sem mobilização /arejamento , cessa a actividade físico química .Como se compreende , esta , tal como todo e qualquer elemento vivo , encontra-se em estado de permanente transformação biológica .Diz a experiência que cessa essa actividade e entra em regressão , ao fim desse período , por falta de arejamento devido á compactação
Esta periodicidade de sete anos , resultante da experiência secular das classes rurais , volta a ter aplicação já que com base nelas que são viáveis as novas formulas de agricultura ecológica que têm por base a limitação do emprego de fertilizantes e pesticidas
Como se sabe , sete anos de pousio é o tempo necessário e suficiente para que a terra readquira o fundo de fertilidade ,se liberte das pastagens , que aqui se denominam ervas daninhas , dos insectos , fungos , viroses , bolores , podridões, etc, que se extinguem , nesse período de sete anos , por falta de hospedeiro .Sem essa auto-depuração do solo implicaria a aplicação de fertilizantes e pesticidas , cujas consequências são por demais conhecidas

II--- Mas o que o é o clímax da floresta alentejana ? Interrogar-se-á quem não esteja muito calhado com este tipo de conhecimentos . Ao contrario dos bosques do norte , em que um conjunto de plantas coexistem entre si . no Alentejo não .Na medida em que vai caminhando para clímax desenvolve-se uma feroz concorrência entre a vegetação de cuja peleja sai vencedora a planta mais primaria e menos útil :--o musgos
Sendo vegetais parasitas primários ,os musgos ,lismos ,líquenes ,algas ,e outros que se confundem entre si , instalam-se nas arvores sugando-as e debilitando-as ; cobre os despojos vegetais, que jazem sobre o solo, transformando-os em pó ; tapa o solo e as rochas com carapaças ,compactando-o e asfixiando-o impedindo que se realize a penetração do ar e consequentemente que desenvolvam as reacções físicas e químicas do solo ; formam um manto fofo ,das mais variegadas cores ,mais parecendo estopa altamente inflamável .As ervas desaparecem ,os arbustos definham e as arvores rareiam e fenecem
O musgo parece , pois , ser o elemento básico do reino vegetal regional .A partir de então , em termos de incêndios o Alentejo está transformado num barril de pólvora
Era assim o Alentejo anterior ao século XX .Volta a sê-lo na medida em que deixar de ser arado ou for apossado por quem não saiba ou queira dar-lhe o devido uso .

É nesses estádio ,porque altamente combustível ,que os fogos assumem a sua antiga e medonha dimensão .
Dantes os fogos eram ateados por cabreiros, que pastavam rebanhos de cabras , os animais que melhor transitavam naquelas condições .Isto para possibilitar o reaparecimento de “renovo “ do qual as cabras se alimentavam
Outras vezes os fogos eram ateados por foragidos ,não raro pessoas de bem fugidas á justiça por motivos politico/religiosos Para se defenderem reagrupavam-se e recorriam ao fogo.
. O Alentejo é ,pois , no estado bravio , altamente combustível .O fogo produzido por musgos e tojos e outros materiais , desenvolvem um tal calor que tudo mata e reduz a cinzas .Como forma de expressar a violência do seu calor havia, entre nós , a convicção de que até fazia estalar as pedras

III—Os açambarcadores de terras , desconhecendo este comportamento regressivo do meio , porque pouco habitual noutras paragens , ficavam surpreendidos perante a necessidade de mobilizar os solos .Pensando que bastaria adquirir terras para , sem mais custos recolher os frutos pendentes , designadamente a cortiça pela qual têm especial apetência , acabavam por concluir que havia custos de manutenção . . Depressa se aperceberam que detendo a terra obtinha a dependência das gentes das aldeias Pô-las a proceder ás desmatações e mobilizações ,do sub coberto , tem sido uma pratica comum desde há mais de um século , acintosamente regulamentada por leis de Cavaco Silva .A terra é mobilizada e , com isso , afastado perigo de incêndios recebendo ainda uma grande participação monetária .P ara alem da totalidade das receitas, com origem nos montados , das quais sobressai as da cortiça que são muitos milhões anuais .
Assim melhor se compreende algum o fausto e luxúria , aparentemente inexplicáveis , que por aí há .Assim melhor se compreende a pobreza dependência e falta de dinamismo nas aldeias rurais ,que tolhe a nossa regionalidade
Esgotado o recurso a esta a infame exploração do homem rural alentejano , surge, em sua substituição, dinheiro comunitário a rodos ; ao que parece está a haver mais parcimónia na sua atribuição do que resulta uma escapadela para teses turísticas e venda aos espanhóis .Não obstante esse reprovável comportamento , se questionados , empertigam-se invocando o sagrado direito á terra
2.b)--- A organização do espaço rural é a condição essencial para obstar aos incêndios . Para dar alguma coerência á descrição torna-se necessário descer a um patamar descritivo um tanto enfadonho . Vamos, sintetizar . Em circunstancias normais de aproveitamento e povoamento , os campos alentejanos constituem um mosaico muito complexo formado por retalhos de alqueives , terras de seara e pousios Isto porque a nossa técnica de exploração impõe que cada propriedade agrícola seja parcelada em folhas e em cada uma delas se proceda a rotação de culturas
Acontece que , quer o número de folhas quer o aproveitamento de cada uma , é variável de acordo com a capacidade de uso do solo
Conhecendo a percentagem , do valor agrícola de cada parcela , nós podemos calcular, com relativa exactidão , qual a ocupação do Alentejo em alqueives , searas e pousios de diversos anos
No caso presente , porque estamos a tratar de incêndios, só nos interessa a área de alqueives já que sobre eles o fogo não passa

O espaço, alentejano , nos seus 30.000 km2 , para análise de incêndios, divide-se em duas partes :-- cerca de 1/10 de vinhas ,olivais, regadios , área social e outras , em que a questão dos incêndios não se põe .Os restantes 27.000km2 que são as terras agrícolas extensivas, esses serão objecto de tratos agrícolas visando também a prevenção dos incêndios .
. Assim desses 27.000 Km2 , 10% são de terras boas (tipo A) ; 20% de terras medias (tipo B+C) : e os restantes 70% de terras más (tipo D+E).As terras boas , porque intensivamente cultivadas ,geralmente são ser divididas em três folhas uma da quais de alqueive ; ,as de media qualidade em cinco folhas; e as má em sete , isso significa que estão na situação de alqueive respectivamente , 1/3 de 10% ;1/5 de 20% ; e 1/7 de 70% Ou seja :-- dos 27.000 km2 de área agro-silvo-pastoril ,cerca de 5.000 mil Km2 estão alqueivados e absolutamente defendidas do fogo . Pode-se assim concluir , se a região for convenientemente explorada, essa enorme área constitui um eficaz aceiro que intercepta qualquer fogo que se haja instalado
Face ao exposto podemos afirmar que , se o Alentejo andar bem cultivado ,porque pontilhado de áreas aonde o fogo não caminha , obsta que progrediam .Nessas condições torna-se numa região imune aos incêndios

c)--- O combate aos incêndios Mais do que combate a nossa experiência é preventiva . Prevenção essa resultante do conhecimento do seu comportamento ,daí os aceiros que circundam as folhas e os caminhos .Em condições normais só há incêndios em Julho Agosto e princípios de Setembro
. Recordando , aquando das ceifas em Junho , fazíamos a rancho e consequentemente lume , no meio do restolho sem que vez alguma acontecessem casos de fugas de fogo .Ainda hoje ceifa-se e enfarda-se em Junho a periferia das searas. Depois é que se aceira indo bem a tempo de precaver dos fogos .
Mas perigo de incêndios , quer no pousio quer nos restolhos , fica muito reduzido se , na exploração , houver gado a pastar . O gado come e acama o restolho de tal ordem que um incêndio , a activar-se , fica praticamente inofensivo
Fogos nesta condições não causam estragos podendo até andar sob os chaparros não os prejudicando para alem de chamuscar a rama .Contudo essa queimada , pratica habitual até há pouco , é hoje proibida , e bem, já que mata as jovens plantinhas dispersas pelo terra, assim como as das estremas, valados e arrifes
Alem disso há o habito de , nas explorações , no verão , tempo em que os tractores têm pouco trabalho, estarem estacionados sempre com uma grade acoplada .Mal surja um incêndio faz-se um rego na frente do sentido das chamas , lança-se o que se designa por um contra fogo contra a frente que se pretende extinguir .Do encontro dos dois resulta, no imediato, apagamento de ambos

3--- A HUMANIZAÇÃO DO MEIO não é o abandono nem as praticas agrícolas exóticas .Tem que ser submetido a um regular cultivo como forma de manter a paisagem e impedir os incêndios Como se vê ,o Alentejo , se votado ao abandono ,é pasto fácil de fogos imensos e incontroláveis . Mas se cultivado normalmente o perigo de incêndios é inexistente . Não é a mesma coisa do que o norte aonde é bem clara a necessidade de um reordenamento florestal com vista a que aquele drama deixe de acontecer Temo porem que um plano de reordenamento florestal , gizado algures , num gabinete sem ligação ao problema ,nos seja imposto sem ter em conta a nossa especificidade regional
Qualquer intervenção nesse sentido , terá que ser de âmbito regional e passa pelo impedimento de plantação da floresta exótica designadamente os eucaliptos .Por outro lado uma intervenção no Alentejo , se bem que seja uma urgência , deverá ser abrangente e integrada no todo agro-rural dado que entre nós não há a floresta extrema ( montados ) mas sim a agro-silvo-pastorícia , que , como o nome indica , inclui a agricultura, o montado e a pecuária . Mas mais . Inclui também o povoamento e ocupação do território e consequente a manutenção deste espaço sob a égide pátrida; a preservação da paisagem e dos seus recursos naturais ; e outras .
Em suma , intervir na floresta é intervir na ruralidade no seu todo . Coisa que no norte , e tendo em conta o que se passa com os actuais incêndios , terá que haver outro tipo de abordagem

Espero ,porem , que essa boa intenção , a estender-se ao Alentejo , não se converta, em mais um sorvedouro de dinheiro como já estamos habituados ; numa agência de emprego do estado , para um certo numero de desvalidos ,os quais dão inicio a um processo de auto-destruição profissional ; numa associação de interesses empresariais , como tantas que por aí há ,as quais , salvo algumas honrosas excepções , constituem-se numa forma de empate ao desenvolvimento e a garantia da manutenção deste incrível bloqueio agrícola ; e em mais uma chatice para os poucos agricultores , tais estóicos abencerragens , que ainda resistem a toda uma erosão anti- rural a que temos estado submetidos.

Desbloqueie-se o acesso á terra de forma a que a ela acedam as novas gerações ; apoiem-se os sistemas agrícolas tradicionais que se articulem com os novos critérios impostos pela globalização ; usem-se , para tornar mais rentáveis e menos penosos os trabalhos agrícolas , os modernos equipamentos e as tecnologias de ponta ; e ver-se-á que , como que por encanto, todos , mas mesmo todos os problemas regionais , inclusivamente os dos incêndios , ficam solucionados .
Francisco Pândega (agricultor )
E-mail –fjnpandega@hotmail.com
Blog--- alentejoagrorural.blogspot.com