10.12.08

AlentejoAgroRural

A AGRICULTURA E A CRISE

1---O mundo ocidental está confrontado com uma crise muito séria. De início parecia limitar-se a uma questão financeira Não se quedou por ai dado que já esta a danificar a economia, não sendo de excluir a hipótese de dar origem a bolsas de contestação senão mesmo de turbulência social. As soluções terão que ser rápidas, diferentes de pais para pais e, em cada um, de região para região.
No nosso Alentejo, porque ainda não estava resolvido o problema agro-fundiário, velho, profundo e obstaculizante, a solução está particularmente dificultada. Falta-lhe, para a superar, um mundo rural estável, cuja força tampão, antepara contra das convulsões provindas do exterior, amorteça e dissolva os seus efeitos

2— Não digo que não haja alguma analogia dos efeitos entre o campo e as cidades. Mas sei que a solução para o mundo rural é diferente da urbana. A solução para a região Alentejo, de grande vocação agrícola e tendo em conta a sua especificidade agrícola, passa pela sua individualização e dispensa ,em termos agro-fundiários , da intervenção de estranhos á região Só assim se torna possível fazer brotar as suas colossais potencialidades agro-rurais e, com isso, cumprir o seu desígnio que , tal como toda e qualquer região agrícola que se preze, é . ; -- produzir alimentos, proporcionar bem-estar social, povoar o território e preservar a soberania
a)— A agricultura. Com potencialidades colossais na produção de alimentos, é capaz de, só por si, não só abastecer o pais dos víveres principais, poupando-se nas despesas de importação, como exportar uma vasta gama de excedentes obtendo-se divisas que, na presente crise, vêm mesmo a calhar . Cumulativamente construir e manter esta agradabilíssima paisagem e harmonia ambiental, preciosa dádiva do destino que importa conservar a todo o custo Se na terra alentejana, em vez deste imobilismo fundiário, estático , gerador de exclusão, dor, opressão e servilismo, houvesse dinamismo e justiça agro-social, promotores de prosperidade e prazer de viver, crises como esta não nos afectariam minimamente.
b)-- A família Outra das funções do homem do campo, de hoje, é a manutenção desse pilar social que é a família Como se sabe a trepidante actividade urbana não favorece a sua constituição.Daí os jardins-de-infância os lares de terceira idade e o numero em crescendo de famílias monoparentais. Acontece que nos campos (não tanto nas aldeias aonde as pessoas estão acantonadas e com pouca ligação á periferia) e especialmente nos montes para aonde a actividade agrícola se têm que deslocar, a família é a peça fundamental do agregado . Ela vai desde a nuclear, até a clãnica, passando pela a alargada Nela há uma verdadeira cooperação e inter-ajuda fundamental para o bom desempenho da actividade Todos , seja qual for a faixa etária, tem a suas funções no seio da família : -- as crianças, nos intervalos da escola, participam nos trabalhos mais simples aprendendo a ser adultos responsáveis ,o contacto com a produção e respeito para com os produtos para consumo em vez de arremesso como presentemente se verifica ; os velhos transmitem conhecimentos e valores, são páginas abertas da história local e transmissores de experiencias vividas. São úteis ate ao fim no ambiente familiar e no meio por eles construídos . Úteis até ao fim nem que seja a enxotar as galinhas do quinchoso. Procriar, em vez de pretender entregar essa tarefa a imigrantes, é uma função dos homens do campo já que toda a actividade campestre gravita em torno da reprodução.
c) --O povoamento harmónico do território e manutenção da soberania são mais uma das diversas funções da ruralidade. Valor que anda um pouco arredio de alguns de nós e que é preciso reintroduzir. A propósito de defesa da soberania por parte da comunidade rural alentejana, importa recordar o bicentenário das invasões francesas, cujos efeitos na cidade de Évora, pelos actos hediondos praticados por esses conquistadores, deixaram marcas indeléveis nas nossas gentes De tal ordem que ainda hoje se diz, referindo-nos a alguém que desaparece que “foi para o maneta “ Isto porque o comandante do destacamento francês, sediado em Évora, era um autentico facínora a quem lhe faltava um braço. Alentejano que fosse chamada á sua presença era alentejano que desaparecia.”Ia para o maneta “
. Enquanto a cidade se lhes submetia os campos resistiam Ficaram célebres as flagelações que os malhadeiros da serra de Serpa provocaram nas suas colunas Malhadeiros eram famílias que viviam na serra, com enorme mobilidade, sendo apicultores, caçadores e recolectores. Exímios conhecedores do meio e manejadores de todo tipo de armas, surpreendiam-nos e flagelavam-nos, nas curvas das veredas, causando-lhes inúmeras baixas.
Desbaratados, os franceses restantes, acolheram-se, no lado de lá da fronteira, junto dos parceiros da coligação do tratado de Basileia , aonde haviam acordado a invasão e partilha do nosso pais. São factos históricos que convêm ter presentes .

3---Toda a gente sabe que o Alentejo, palco dos mais estranhos interesses que por aqui pululam, tal como esta , não pode continuar. Importa que se tomem medidas no sentido de um desenvolvimento rural auto-sustentável Sabia-o Mário Soares em 1977 e Sá Carneiro em 1980 ao produzirem legislação que ia no sentido do seu restabelecimento; Capoulas Santos, certamente tinha-o em mente ao defende-lo, com tanto empenho, no Parlamento Europeu
O nosso desenvolvimento rural, que foi normal até 1835, assentava na lei do aforamento, que remonta aos princípios da nacionalidade, potenciado pela lei das Sesmarias, dos anos setenta do século XIV. Foi com base nelas que se povoou o Alentejo por volta de 1385 e, mais tarde, nos pós -1640,tendo prestado elevados serviços nessas épocas cruciais da nossa nacionalidade É repescando-as e adaptando-as á necessidades hodiernas que se põe em ordem o nosso mundo rural As grandes crises (e esta pode vir a ser uma delas) também servem para se fazerem grandes roturas com um passado aonde campeiam direitos adquiridos que não se compaginam com os superiores desígnios regionais Assim se criou este medonho vazio humano que constitui uma perigosa tentação no seio desta Europa super-povoada Sem agricultores provenientes da comunidade rural autóctone e sem os malhadeiros da serra de Serpa, pode dar azo ao aparecimento de um novos tipo de manetas iguais nos propósitos embora diferentes nos métodos
Francisco Pândega (agricultor) ///fjnpandega@hotmail.com ///alentejoagrorural.blogspot.com.