25.4.06

Alentejo agro-rural
E OS VALORES IDENTITÁRIOS REGIONAIS

1---Não discuto se a regionalização é, ou não, vantajosa para sectores como a justiça, saúde, ensino, etc., ou até mesmo para os centros urbanos. Contudo, sei que, para a agricultura, ambiente, organização do território e poder local, porque actividades que funcionam em articulação com o meio natural, ela é decisiva para uma governação eficaz É imperiosa a sua institucionalização como solução para a gravíssima situação agro-sócio-económica da nossa região Mas o que é uma região, interrogar-se-á quem não esteja calhado com questões desta natureza? É uma determinada área, situada em determinado espaço geográfico, referenciado por coordenadas, a qual, devido a sua localização, entre os pólos e equador, tem um determinado clima. Porem, mesmo no mesmo paralelo, o clima é geralmente modificado pelas correntes de ar que podem ser quentes, frias, húmidas, secas ,se , e quando , a sua proveniência for marítima, continental, polar, equatorial.Desta forma a terra, no sentido lato da palavra, é a somatório das suas regiões. Regiões que, devido aqueles factores , têm vocações agrícolas muito diferenciadas umas das outras. E em cada uma delas o homem, na sua conhecida capacidade de adaptabilidade ao meio, molda-se e articula-se tirando partido dele em seu próprio proveito .Daí ser verdadeira a definição de que uma região é uma unidade geo-sócio-económica , circunscrita a determinado espaço, com características bem diferenciadas . Este é um facto que nós, os agricultores que exercemos a actividade em regiões distantes, bem conhecemos .Tantas vezes por amargas experiências.

2----É neste quadro que se inscreve o Alentejo natural. Directamente influenciado pelo Mediterrâneo, cuja porta de entrada é o Guadiana, que se espraia e determina esta imensa planície. É o nosso Alentejo natural Do encontro entre esta corrente mediterrânica e a atlântica, que sobe pelo vale do Tejo, está a linha de separação entre a planície e a charneca Termina assim o Alentejo e começa o Ribatejo. Ou, como diziam os antigos, acabam as terras transtaganas (Alentejo) e começam as escalabitanas (Ribatejo). Aliás, muito aproximadamente pelos limites administrativos actuais O facto disto não ter sido entendido, tem resultado sucessivos desaires que deformam a nossa vida agro-sócio-económica regional. É neste quadro regional e por entidades locais, que os nossos problemas agro-rurais terão que encontrar solução .È com base na região, com alguma autonomia nas questões agrícolas , que nós teremos que solucionar as contradições que nos minam, que passam pelo desenvolvimento da nossa agro-silvo-pastorícia e pela dignificação da nossa comunidade rural

a)---É que , por não se ter compreendido isto, se levaram a aprovação comunitária programas inadequados á nossa região . Essa é uma, das diversas razões, da nossa ineficácia na aplicação dos fundos comunitários. Do que resulta que, não obstante termos atravessado um período irrepetível de vacas gordas, em que para aqui foram carreadas verbas comunitárias de impressionante volume e , em simultâneo, receitas , ainda muito maiores, provenientes da cortiça, nós saímos dessa abastança como se tivéssemos sido destroçados por uma tremenda intempérie . Nem sequer procedermos ás indispensáveis alterações fundiárias, sector praticamente inamovível desde a idade média.Para dar uma ideia, recordo que a ultima herdade, (a Defesa da Pedra Alçada ) que foi dividida e posta á venda na minha aldeia (Santiago Maior), comprou, meu avô, uma courela, ainda antes de meu pai nascer, (1911). Ora , como só a partir das herdades se redimensionam as courelas dos pequenos agricultores e se fomentam os emparcelamentos , entre si, estando esse sector bloqueado , melhor se compreende que nada, mas mesmo nada, resulta no Alentejo, enquanto este constrangimento não for enfrentado.

b) --Uma abordagem do mundo rural alentejano, à luz da globalização em que estamos inseridos, implica uma autêntica revisão de meios e dos conceitos a nível regional Passada a fase da monocultura cerealífera e dos últimos loucos vinte anos , cujo objectivo foi a captura de subsídios, estamos inseridos numa nova era, que nos é imposta pela livre circulação dos produtos agrícolas , em que temos que reformular as relações homem - terra ,única forma de enfrentar a tremenda concorrência global . Isso impõe que seja dada uma resposta bem fundamentada à interrogação: ---o que produzir e com que sistemas, visando obter um lugar nesse mercado alargado e altamente concorrencial ?. Ou seja, nós somos obrigados a concorrer com regiões que para aqui enviam produtos agrícolas produzidos em concordância com determinado meio regional Vou repetir dada a importância desta afirmação: --- a agricultura tem que ser uma ciência exacta, praticada por verdadeiros conhecedores do meio capazes de produzir de produtos de qualidade e a baixos custos . Isso implica duas condições: --- assiduidade do agricultor e conhecimento da sua exploração ao nível da parcela. Sejamos francos. Os actuais grandes proprietários rurais enquadrar-se-ão nestes conceitos? Evidentemente que não. Temos que ser nós, comunidade rural tradicional, a ombrear o problema. Temos que ser nós a transmitir aos nossos filhos, a nossa experiência, para que eles, alguns dos quais com conhecimentos agrícolas de nível universitário, possam, de uma forma lenta mas sustentada, introduzir-lhes as novas soluções tecnológicas.

c) ---- Ora, é neste quadro que se inscreve o típico homem rústico alentejano Diferente do de outras regiões , já que moldado neste meio inigualável, do qual obviamente resulta um homem rural específico. Homem esse que é a resultante da ancestral exposição e articulação com este clima, solos, correntes de ar , regime e chuvas, orografia, estações do ano, povoamentos arbóreos, recursos naturais e outros. Estes factores determinam um tipo de homem com determinadas características físicas , alimentares, habitacionais, indumentária, dicção, comportamentais ; os quais por sua vez a adoptam usos, costumes e tradições, geralmente relacionados com as actividades e os calendários agrícolas; transmitem, de geração em geração , valores de carácter religioso, mítico e lendário, étnico, muito usados, entre nós, até aos meados do século passado, altura em que se iniciou o grande êxodo rural; celebram e enaltecem os valores históricos, comemorando acontecimentos importantes, abundantes na nossa região. Nós, os homens rústicos, que fazemos parte integrante dessa especificidade regional, somos o produto acabado dessa circunstância única e inigualável .Esses caracteres, especialmente os de ordem moral , só se transmitem , para as sucessivas gerações, se o homem for o livre detentor do seu meio, única forma desse desígnio de processar naturalmente. Como isso não acontece , entre nós , é a razão pela qual nós somos socialmente um desastre Contudo havia, entre nós, até há pouco, uma réstia de esperança na reversão da situação. Esperança essa que se vai esvaindo na medida que o nosso espaço vai sendo alienado para a posse de alienígenas.

3--- Num quadro regional assim , em que a comunidade rural está assi debilitada e o meio altamente viciado, só medidas ousadas e rápidas poderão reverter a situação. Ousadas, na ida ao fundo da questão; e rápidas para não dar tempo a vender tudo aos espanhóis Nós temos a necessária experiência ,no campo da reestruturação fundiária . Falta-nos , porem , assumir a necessidade de a pôr em prática. Mas convenhamos que isso é ir contra poderosos interesses instalados. Contudo é relativamente pacífica dado que é muito reduzido o número de afectados e porque é comummente adquirido ser essa a causa do nosso drama social e económico. O problema aumenta de gravidade na medida em que já constitui uma clara ameaça á nossa soberania.Importa, como primeiro passo , reconhecer que o mercado , se bem que eficaz na eliminação dos incompetentes noutros sectores da actividade , é absolutamente ineficiente no sector fundiário já que é incapaz , de igual procedimento , em relação aos absentistas e incompetentes que por aí pululam . A nova era da globalização não se compadece com existência de detentores de terras que mais não fazem que impedir o seu normal uso por parte da comunidade rural estabelecida Já que o mercado é insuficiente, na questão fundiária , resta a intervenção da comunidade que , através dos seus representantes regionais , terá que suprir essa lacuna por meio da fiscalidade. Aliás, era esse o meio previsto pelo ex-ministro da agricultura Capoulas Santos, para humanizar o mundo rural alentejano , iniciando essa intervenção pela área de Alqueva . Mas uma condição :--- tem que ser feito por nós , a nível da região , já que outros ,de outras regiões , porque tem problemas diferentes senão mesmo inversos , não nos entendem , não cooperam .Francisco Pândega (agricultor)E-mail: -fjnpandega@hotmail.com Blog. ---Alentejoagrorural.blogspot.com.

3.4.06

Alentejo agro-rural
E OS MONTADOS
1---- O Alentejo, região tão desejada se bem que vilipendiada, está a ser objecto de uma nova, mas muito sofisticada, forma de apropriação dos seu espaço rústico. Desta vez o álibi chama-se floresta. Convém lembrar, já no início deste escrito, que nós não temos florestas, na verdadeira acepção da palavra, mas sim montados. Estes, com características muito próprias, mais se assemelham a um pomar, se bem que rústico, mas mesmo assim não deixa de ter maiores afinidades com esse tipo de formação arbórea. Por muitas razões, uma das quais porque integrado no tradicional sistemas agro-silvo-pastoril, perfeitamente estabilizado, entre nós, e, agora, reacreditado por força da globalização. Nestas condições, o aparecimento de uma movimento pró florestas, que se propõe adquirir vastas áreas, coincidindo com um estudo universitário, muito vago e alheio a realidade regional, mais parece uma força concertada de ataque. Conhecidos grandes proprietários rurais, conluiados com espanhóis, aprestam-se a adquirirem montados fazendo crer, a incautos decisores, que de florestas vulgares se trata.

2---Mas não é nada disso. Enquanto que uma floresta ou um bosque, é uma formação arbórea composta por diversas espécies de arvores espontâneas, que coexistem no mesmo espaço, em perfeito equilíbrio entre si, o qual ,atingido o estádio de clímax , mantem-se nele indefinidamente sem a intervenção do homem. Já o montado, é formado por duas árvores da mesma família (azinheiras e sobreiros) cada qual em territórios separados só acontecendo sobreposição nas faldas ou em faixas ao longo das linhas de água. Ao contrário da floresta, não pode ser votado a si mesmo, antes sim, ser objecto de periódicas mobilizações do solo, de podas e desbastes. Em suma estar integrado no tradicional sistema agro-silvo-pastoril que nós tão bem sabemos fazer Daí que o aparecimento de interventores florestais, certamente funcionais em florestas autênticas, virem para os montados, é usar este para, de uma forma encapotado, se apoderarem do nosso espaço rústico, aliás já em avançado estado de aquisição.
a) ---- O montado é autóctone do Alentejo aonde, não obstante os maus-tratos que lhe têm sido infligidos, ainda constitui uma área considerável. Regenera espontaneamente, com maior ou menor dificuldade, em toda a região. Como uma dádiva do destino, somos o maior produtor mundial de cortiça sendo a nossa produção superior à dos restantes todos juntos. Pena é que, por razões politicas, não reverta minimamente em benefício da região produtora Para alem da cortiça, em que , em termos de receitas , é uma autêntico poço de petróleo, produz frutos (lande e bolota) lenha, rama e paisagem. Sendo, também, factor de estabilidade climática, funcionando como cortinas contra o vento e protecção dos solos contra a erosão. O Alentejo, sem montados tornar-se-ia, a breve trecho, numa paisagem lunar. Daí que defende-los, integrados nos sistemas agrícolas tradicionais, impõe-se-nos. Não é, porem, o que se vislumbra com estas medidas florestais Os montados têm passado por diversas vicissitudes ao longo dos últimos cento e cinquenta anos, tantos quantos a duração média de uma árvore e a idade do nosso sistema integrador l. Até aos meados do século XIX os montados estava dispersos pelo matagal. Muito decrépitos e de reduzida longevidade, ralos e combalidos, lá ia sobrevivendo, a muito custo, devido a concorrência dos arbustos De tempos a tempos eram varridos por enormes queimadas. Ressequidos e cobertos por musgos, ardiam como se fossem tochas. Foi nessa altura que se inventou a charrua vira-aiveca e se disciplinaram os sistemas agrícolas constituídos por afolhamentos e rotação de culturas, do qual resultaram os saudáveis e enormes montados, dos quais, os que restam hoje, não são mais do que uma pálida amostra daqueles de então.Nos anos trinta, do século passado, por força das campanhas cerealíferas, foram-lhe diminuídos os períodos de pousio, O ciclo anterior foi cortado e o declínio acentuou-se. No pós última grande guerra, com a introdução da mecanização, e até aos nossos dias, os montado têm sido seriamente molestados. Constata-se não só pela diminuição da área, em si, como ainda na pequena percentagem de árvores de substituição, com menos de meio século de idade, como ainda pelo seu estado geral de decrepitude
b) – A agricultura é perfeitamente compatível, senão mesmo indispensável , com a preservação dos montados. Para se entender esta afirmação é preciso que se perceba o comportamento /resposta do meio ás intervenções do homem. Por regra, um solo, com ou sem montado, que tenha estado submetido ao normal cultivo, se deixar de ser mobilizado, ao fim de sete anos (mais ou menos), começa progressivamente por desaparecer a erva, que por sua vez dá lugar aos arbustos, acabando estes por serem afectado pelos musgos Estes, plantas primárias e parasitária que cobrem de crostas o solo, empobrece-o e asfixia-o. Instala-se nas arvores parasitando-as, enfraquecendo-as, matando-as. O solo, compactado, torna-se impermeável à circulação da água e do ar provocando alterações físico-químicas que lhe reduzem a fertilidade. Nestas condições não há montado que resista. È o regresso aos tempos dos matagais inicialmente referidos Daí que a nossa experiência vá no sentido da mobilizarmos os solos com uma periodicidade media dos sete anos, variável de acordo com o seu tipo. Coincide com as podas das árvores (formação manutenção e rejuvenescimento conforme o estado vegetativo de cada uma delas). Depois da poda o chão fica coberto de folharascas que vão compensar a perda de fertilidade debaixo da copa.Com o chão desensombrado , a seara, sob o coberto, não difere da das abertas ou clareiras envolventes Nas águas novas é altura das sementeiras e, então ,raciocinamos assim: --- já que a capacidade do reaparecimento da erva está diminuída e porque foi feita a despesa do alqueive, já agora, convêm semea-la : ---- de cereais nas terras melhores, e de proteaginosas ou forragens nas terras mais fracas. Culturas essas que podem vir a ser ceifadas, para grão, se a resposta tiver sido boa; para fenar se se justificar, ou para o pastoreio directo nos restantes casos.Ou seja :-- os custos do alqueive, das fertilizações e das sementes, vão ser atribuídos aos cereais colhidos, gado, pastagens, montado, caça, protecção dos incêndios.Assim distribuídos os custos , já começa a fazer sentido a afirmação de que o Alentejo é totalmente agrícola, devendo ser arado e semeado de lés a lés. Afirmação, esta, que tantos engulhos causa a quem não percebe nada disto.
c) — Mas essa mobilização também é compatível com a emergência e manutenção de novas árvores de substituição. Como se disse, a terra volta a ser lavrada depois de sete anos após a última mobilização. Nesse entretanto nasceram e desenvolveram-se novas plantas algumas das quais , nesse período, podem atingir cerca de um metro de altura. É dever do tractorista contorna-las poupando aquelas cuja localização sirva para preencher clareiras ou que se encontrem junto de arvores envelhecidas visando a sua substituição. Era assim no tempo da lavoura de bois. Não só como forma de repovoamento do montado mas também porque , impedindo a charrua de embicar nas árvores, também se evitava que os animais não ficassem ariscos ou os trastes se partissem, o que acarretaria grandes trabalhos se fossemos de encontro delas. Com os tractores é o inverso . Andar a contornar as arvores é cansativo e desgasta a maquina . Pisa-las e deixa-las em fanicos dá menos trabalho e não há denuncia já que atrás só restam farripas soterradas. E uma das principais razões da decrepitude dos montados já que os trabalhos são sempre efectuados por trabalhadores e empreiteiros Ora ,estes , apercebendo-se de que e estão a gerar receitas para alguém , ausente, manter, algures, uma continuada espoliação regional, à falta de melhor é o montado é quem sofre. È a este facto , que ninguém gosta de abordar, uma das razões porque os montados alentejanos estão tão degradados. Daí que, pelo que atrás de expôs , a solução passa pelos trabalhos nos montados devam ser feitos por famílias de agricultores directos, estáveis, efectivos e livres. O Alentejo, porque não tem florestas, não é compatível com essa nova ordem florestal, que já se vislumbra no horizonte. Já é mais do que tempo de se acabar, com este acobertar de estranhos interesses, cujas intenções dissimulam propósitos inconfessáveis

3---- São reais as ameaças que periodicamente impendem sobre o mundo rural alentejano. A presente, uma estranha conjugação de interesses, numa igualmente estranha simultaneidade, mais parece um concertado cambão contra o qual nos temos que precaver. Teimando em considerar o montado uma floresta, na base do qual se alinham candidaturas aos fundos comunitários, nacionais e estrangeiros, isenções fiscais. etc., sempre em nome da uma pseudo defesa dos interesses regionais, outros arranjos se projectam Muito oportunamente um insípido estudo, tal como a cereja no cocuruto do bolo, vem funcionar como o justificativo que faltava. Em fileira, como tanto gostam, conhecidos donos de terras alentejanas, conluiados com espanhóis, adquirem o estatuto de exploradores florestais e, como tal, o respectivo certificado, que lhe confere a possibilidade de desferirem o golpe de misericórdia nas gentes rurais alentejanas È este o destino dos povos quando inseridos num todo nacional aonde as especificidades regionais não são entendidas. È este o destino de um povo que não consegue organizar-se na defesa dos seus valores.Francisco Pândega. (agricultor) E-mail—fjnpandega@hotmais.com; Bloco— www.alentejoagrorural.blogspot.com