17.4.08

AlentejoAgroRural

VISTO DE LONGE

1----- Aquando da turbulência agrária ,no pós -25 de Abril, alguns lavradores tentaram reconstituir a actividade noutros países Conheço um que se instalou , primeiro no sul do Brasil depois no Uruguai . È sabido que todos os povos, se bem que apoiem de bom grado toda a espécie de empresários ( comerciantes , industriais ,promotores de turismo , etc ) detestam e hostilizam os agricultores alienígenas . Há aqui uma conotação com colonialismo ,com interferência naquilo que é a sua vivência intima , que lhe desagrada e hostilizam . Acresce o facto de , mesmo que aqui tenham sido bons agricultores , noutras regiões ,com outros sistemas agrícolas e gentes que têm uma atitude mais defensiva do seu meio , a instalação de estranhos não é nada fácil .Dai que todos tenham voltado , claramente derrotados , dizendo-me um :---O Brasil (no sentido da arvore das patacas ) afinal é aqui .

2--- Também passei por essa fase Com a diferença de que eu fui para não mais voltar. Impus ,a mim próprio, como que um degredo .Só depois ,na medida em que me fui ambientado , comecei a constatar quão exaltante , senão mesmo maravilhoso , era tal degredo . Tive de aprender a ser agricultor num meio muito diferente , a vencer a hostilidade dos nativos , enfim , resistir . Mas também aprendi a conhecer melhor o Alentejo agora visto de longe . Em contraste com novas realidades , tem-se uma noção mais precisa das suas potencialidades e dos inumeráveis erros que cometemos na sua gestão Com as limitações próprias de um despretensioso escrito , analisamo-lo no ultimo meio século ,visto de longe e num relance

a) -- Em 1954 , encontrava-me a transportar manadas de gado bovino ,a pé , do Cuanhama ,(sul de Angola ) para o planalto do Huambo ,num percurso de cerca de 700 km, com uma duração media de quatro meses , pelas margens do rio Cunene .
O meu companheiro de jornadas era o António São Braz Pereira , que três anos antes havia vindo , mas que continuava a carpir saudades , do seu longínquo Peroguarda , perto de Beja .Filho de um desventurado seareiro ,tal como eu , ambos vitimas do ruinoso sistema fundiário então, tal como hoje , em uso no Alentejo . Ser seareiro , era uma forma de agricultar por conta própria , mas terras de outrem .Ao cessar o seu acesso era-se convertido em trabalhador agrícola .Por uma questão de orgulho muitos não aceitaram .Preferiram rumar para longe ,para nunca mais voltar .O despovoamento ,nessa década dos anos cinquenta , foi galopante .Reduziu-se a população rural para menos de metade .Drama imenso de muitas famílias, forçadas a abalar , para as mais diversas paragens, aonde , desenraizadas , praguejam contra os responsáveis por terem qwue deixar o seu Alentejo A alternativa era a submissão , na qualidade de trabalhador agrícola , aos grandes proprietários rurais Homens que nasceram livres dificilmente se vergavam aos ditames de quem , pelo facto de ser herdeiro vastas terras , não significava que tivesse credibilidade ou dignidade para nos submeter aos seus ditames .

b)---Nunca em tão longínquas paragens , em volta de uma grande fogueira que servia para nos aquecermos , cozinhar e manter a distancia os leões que seguiam atrás da manada, o problema dos seareiros foi analisado com tanta paixão e objectividade como naquele momento .
Em nossa frente ,na encosta da outra margem do rio , estava o forte Roçadas ,que assinala o feito do intrépido capitão português que , á frente de um pelotão de bravos , desbarataram os aguerridos cuamatos , organizados e municiados pelos alemães do ex- Sudo Africano ( hoje Namíbia ), frustrando-lhes as intenções desanexar essa parte do território de Angola e submeter a tribo residente
Daí uma interrogação óbvia .Porque é que os portugueses , sendo tão valentes , fora do pais , na luta em favor da justiça dos povos , são tão fracos para impor igual justiça nos campos alentejanos ? Estávamos ali duas vitimas transidas de saudades de um Alentejo longínquo ,de onde uma cleptocracia fundiária ,nos havia expulsado . Concluímos, ao fim de longa troca de impressões , que ao Alentejo estava reservado um trágico destino e aos alentejanos a extinção .,se não houvesse a coragem de possibilitar o acessos da terra aos agricultores livres, directos . individuais e residentes .

c)--- Perdi o rasto ao Pereira, nos vinte anos seguintes , que foram divididos pela função publica e agricultura, metade desse tempo , e agricultura e negócios o restante . Fui encontra-lo , casualmente , vinte anos depois ,em Sommersetwest ,nos arredores da cidade do Cabo /Africa do Sul aonde era , e creio que ainda é , um prospero po comerciante . Retomamos a conversa encetada ,vinte anos antes , frente ao forte Roçadas .
Estávamos em 1975 .O Alentejo fervilhava no fragor da reforma agrária Foi esse o tema da conversa Ainda não estava claro ,pelo menos com a informação de que lá dispúnhamos , do caris comunista /colectivista que tinha subjacente .Daí concluirmos que este seria um caminho , um pouco ínvio , certamente , para se proceder á almejada reestruturação fundiária
Se hoje , trinta anos depois , voltasse a encontrar o Pereira teríamos que concluir que a solução encontrada com o 25-de Abril ,foi tão má que redundou na reposição fundiária tal como se encontrava aquando da nossa saída do Alentejo. E ,tendo em conta a a situação a que se chegou e face ao apetite que o Alentejo desperta nos estrangeiros , já se pode antecipar que o golpe de misericórdia esta para breve Incapazes de regionalizar e entregar o desenvolvimento rural aos residentes ; ignorando uma vez mais , e agora definitivamente ,a comunidade rural indígena ; face á tremenda ameaça que impende sobre a soberania regional , concluiríamos por uma exclamação uníssona :-- como é que isto é possível ?

3—Como é possível esta insistência na manutenção de uma formula fundiária esgotada e que tanto tem danificado a região ? Como não perceber que a nossa sociedade ficaria mais estável e coerente se para a sua composição ,houvesse uma maior contributo , do mundo rural no mais nobre sentido da palavra ? .
Há quem sustente que uma tal tomada de posição iria contra os princípios comunitários Não creio. Mas sei que o estado de anormalidade em que se encontra a ruralidade alentejana ,impõe uma intervenção . Isso não obsta a que sejamos tão pró-europeus como quaisquer outros cidadãos dos restantes vinte e seis países comunitários . Corrigir e regulamentar a usufruição do espaço rústico regional , é exercer um direito inalienável que nos assiste ,como quaisquer outros cidadãos dos restantes vinte seis países comunitários nas suas respectivas regiões .
Francisco Pândega(agricultor )// e-mail – fjnpandega@hotmail.com //// blog-alentejoagrorural.blogspot.com.