16.9.08

AlentejoAgroRural

BREVE CARACTERIZAÇÃO

1— A comunidade rural alentejana, outrora enérgica e determinada , está hoje abúlica e enfraquecida. Um povo absolutamente identificado com o meio agrícola ,detentor de uma região tão vasta e rica, ter caído assim tão baixo, é porque algo de muito grave lhe aconteceu: -- Essa algo muito grave chama-se exclusão, de facto, no acesso ao seu espaço rústico
Sem o recurso á agricultura , ficamos dependentes do poder económico /fundiário instalado o qual facilmente se apoderou do poder politico /administrativo.Com isso , ficamos-lhes nas mãos ou debaixo dos pés como se diz entre nós . Só há pouco o poder administrativo foi recuperado mas o económico/fundiário mantêm-se intacto tal como se encontrava na Idade Media.
. Restava-nos abalar, para longe ,quanto mais longe melhor . Muitos emigraram tendo –se ficado pelos centros urbanos não tendo tido ocasião de se aperceber das diferenciações existentes dado que entre cidades as diferenças vivenciais não são significativas .Houve-os ,porem , que tiveram o ensejo de se integrarem noutras comunidades rurais concluindo estupefactos quão inumana e discriminatória é a nossa .Os que ficaram submetidos a uma penosa existência ,dependentes e sem esperança ,adquiriram um estilo próprio para lidar com a situação: -- uma subserviência, geralmente exagerada, que não conseguia disfarçar um permanente estado de inconformidade senão mesmo de revolta. O 25 de Abril ,no Alentejo ,é disso consequência
Os donos do Alentejo (refiro-me obviamente aos grandes proprietários rurais), não obstante o enorme poder que aqui detinham , nunca estiveram seguros de que estávamos vencidos Daí o facto de daqui transferirem os capitais e manterem interesses , a salvo, fora da região. Cientes da sua responsabilidade na decrepitude regional ,e porque estavam em estado de falência , o 25 de Abril não foi uma surpresa antes sim uma moratória para as dividas .A expropriação das terras não os surpreendeu Surpresos ficaram ,depois da morte de Sá Carneiro ,que lhes tenham sido devolvidas Mais ainda o ter-se-lhes permitido a sua detenção até hoje
Sendo assim, é tarefa inadiável do actual governo, reformador por natureza, regulamentar o uso da terra e com isso dar vida á comunidade rural alentejana. Restabelecer a auto-estima rural ponto de partida para a recuperação de uma espécie de espírito guerreiro na defesa de “uma certa forma de ser alentejano “. É muito tarde, todos sabemos; os danos socioculturais são profundos, sentimo-lo todos os dias; mas ainda possível, certamente .

2) — Estamos numa época caracterizada pela luta constante, entre os povos, pela preservação dos respectivos espaços rústicos histórico/regionais . Uns vencem e ficam livres para o natural exercício da soberania, outros são vencidos, reduzindo-se á submissão e, de seguida ,á extinção.
Fazendo uma breve analise do mundo rural alentejano podemos concluir que; ----
a)— O espaço rústico alentejano tem sido palco da voracidade de qualquer um desde que portador de dinheiro É por isso que mais de metade dos solos alentejanos não atingem os mínimos de aproveitamento; outros praticam uma agricultura do golpe e contra golpe ao sabor dos incentivos de Bruxelas. As aldeias, com pouca actividade , transformam-se em dormitórios e relíquias agrícolas.
Nelas predominam os velhos, doentes e achacados; os desempregados, reformados e acomodados, que vivem a expensas da segurança social contando os dias a que faltam para receber a respectiva subvenção Homens estropiados prematuramente devido a uma vida de trabalhos esforçados, geralmente subalimentados e raras vezes recorrendo aos serviços médicos atempadamente. Ter sido trabalhador rural, nessas condições , sem a mais remota possibilidade de aceder a terra , constitui uma autêntica fatalidade do destino.
A aptidão da gente nova, para a agricultura, salvo alguns casos que felizmente ainda há, pode sintetizar-se assim: -- uns, porque comparticipantes do drama dos pais , trabalhadores rurais, perdem a atracção pela actividade; outros, filhos dos pequenos agricultores, tais servos da gleba, exaustos, sabem não ser forma de vida; ou ainda os filhos dos grandes proprietários que, em vez de agricultura, aprenderam a ser egoístas e autoritários, certos de os espera a continuação de uma vida luxuriante com base nas terras sobre as quais auto-proclamam um direito sagrado, não têm a menor noção do que é a ruralidade O rejuvenescimento do tecido rural, por estas e outras razões, não se verifica.
b)--As courelas periféricas, porque não foram, em devido tempo, redimensionadas, tornam-se inviáveis agricolamente. Entre essa cintura envolvente e a congénere da aldeia mais alem, ficam as herdades hoje pertença de sociedades cujos donos, desconhecidos e distantes, nada têm que ver connosco nem com os nossos valores .Inacessíveis, sem qualquer ligação afectiva ao meio nem as gentes, leva a que os fregueses (no âmbito do poder local) se sintam desobrigados de considerar essas terras , como parte integrante da freguesia É como que a abjuração de um dever sobre um espaço capturado
É uma postura que contrasta abissalmente com a prática de outros povos que travam uma luta insana pela preservação da sua região na posse das respectivas comunidades A razão é simples: - sendo a região natural um espaço edafo-climática específico, que molda e uniformiza o homem, de acordo com essa especificidade, torna-se num factor de união altamente agregador
c)---Mas a inconformidade, em vez de conduzir a um baixar os braços, leva muitos povos a agir: --Na Europa, aonde estamos inseridos, sendo perfeitamente possível a alienação dos espaço rústico a qualquer um na verdade isso pura e simplesmente não acontece; em África os povos libertaram-se dos colonos europeus, certamente um mau negócio porque antecipado, mas fizeram-no com os aplausos de todo o mundo; a Irlanda, ao libertar-se da Inglaterra, anulou as grandes sociedades agrícolas alterando as regras no acesso a terra. Outros lutam por maior autonomia tal como as nossas regiões insulares; as províncias espanholas e as regiões um pouco por toda a Europa. Nos Balcãs, Cáspio, Báltico e Cáucaso, travam-se lutas de vida e morte para se libertarem da federação russa; Lula da Silva devolve, aos sem terra, espaços para “assentarem as suas chácaras “ e aos que vivem de forma tribal as respectivas áreas tradicionais.
E nós, ignorando a depauperada comunidade rural regional, em benefício de miragens desenvolvimentistas, entregamo-nos nas mãos de estranhos ignorando que a solução reside em nós mesmos. Solução óbvia e assegurada desde que haja coragem para alterar as regras do acesso a terra. A usufruição desse precioso bem, colectivo no sentido político-social mas individual no uso, terá que ser um privilégio somente de quem tenha condições para lhe dar uma função agro-social consentânea com os superiores desígnios regionais

3---. O Alentejo está farto de medidas salvadoras. Salvo essa grande obra de irrigação que é Alqueva, quanto ao resto, estamos cada vez mais debilitados A opção pela permissão de aquisição de grandes áreas por sociedades agrícolas, tal como se estivéssemos na América latina , é um erro colossal Não se retiram todas as potencialidades da biodiversidade inerentes a uma exploração á” escala do homem” ; não se preserva a cultura regional; não se repovoa o território; facilita-se a continuação desta hemorragia humana que nos depaupera .,etc . Mas há outra consequência não menos graves : -- A emergência de um PCP com grande implantação nas autarquias locais. Com a agravante de, se bem que tenha razão na identificação do problema agro-rural, a solução, por ele preconizada, é errada. A nossa região tem que conseguir o auto -equilíbrio político por si própria ,e jamais por indução externa. E isso passa pela justiça fundiária. A nossa região, agora , depois de Alqueva, está em condições de suprir a maior parte das necessidades alimentares essências da nação . Mas isso passa pelo bom senso fundiário
Francisco Pândega(agricultor )//// fjnpandega@hotmail.com///alentejoagrorural.blogspot.com