22.6.08

AlentejoAgroRural

EXAME À SAUDE DA PAC

1----Subordinado a este tema, realizou-se um encontro de agricultores, presidido pelo senhor director regional da agricultura do Alentejo, Dr. João Libório; com a presença do dr.Capoulas Santos, nosso deputado Europeu e relator para a reformulação da PAC (politica agrícola comum); assim como do nosso representante na Comissão, engº Freitas. Tratou-se de uma iniciativa do Parlamento Europeu com o objectivo de proceder a alterações das ajudas á agricultura.
Um debate bastante vivo, nem sempre contido nos limites do tema, na qual os agricultores reivindicaram a manutenção das ajudas, pretensão absolutamente justa, pelo menos enquanto se verificar, no nosso mercado, uma certa abundância de produtos importados claramente subsidiados na origem, tantas vezes por formas engenhosas Mas, por outro lado, os países da CE têm necessidade de vender automóveis, computadores, medicamentos, etc. nos mercados dos países que, por sua vez, querem vender produtos agrícolas para a Europa mas que se sentem coarctados nesse intento devido á subsidiação em uso na CE
A solução tem passado pela substituição das ajudas directas por fórmulas desligadas da produção. Ou seja: -- ter terra pode dar direito a obtenção de subsídios sem a correspondente produção Isto poderá ser funcional noutras regiões aonde o ruralismo seja um facto. Não o é, certamente, entre nós, aonde, salvo algumas honrosas excepções, ter terra não significa que se seja agricultor.

2— Foi em torno da fórmula de subsidiação que se desenrolou o debate Tendo sido abordados os diversos tipos de ajudas dos quais destacamos alguns: --
a)— A condicionalidade É condição, para se abterem certas ajudas , o uso de boas praticas agrícolas Geralmente andam em torno da defesa do ambiente, do uso dos nitratos dado que inquinam as águas; das mobilizações que provoquem erosão ; entre outros,
Na nossa região e enquadrado na rubrica ambiente deveria ser condicionado o uso dos solos D+E que representam mais de metade do Alentejo São do tipo solos pobres, declivosos, esqueléticos que deveriam ser destinados a reflorestação por montados assim como a pratica tradicional designada por agro-silvo-pastorícia. Intervir nesse tipo de solos implica cuidados especiais na sua mobilização , assim como no calendário de intervenção , já que disso depende a erosão , a regeneração dos montados, a preservação das espécies cinegéticas , assim como toda uma vasta e complexa biodiversidade
b)— RPU – regime de pagamento único. Entre nós foi adoptados o regime histórico correspondente ás superfícies, (não produções) dos anos 2002/4 É a formula de receber sem produzir que tanto irrita o cidadão comum e que, tendo em conta os elevadíssimos montantes em causa , tem causado alguma perplexidade
Acresce que foi o trigo, especialmente de regadio ,que é uma pratica inabitual entre nós ,que mais contribuiu para a sua atribuição, Se a isso acrescentarmos o facto de ter sido subsidiado á superfície ,no ano do cultivo , e ainda nos anos de referencia ter tido produções irrisórias , este subsidio ,que já esta sob ameaça , obviamente que acabará por ser desactivado . Importa que essas verbas fiquem na região e revertam em beneficio do desenvolvimento rural regional ou seja tenham uma função útil
c)— Set-aside .Os pousios são uma pratica agrícola tradicional e indispensável na agricultura regional. Agora ainda mais, já que é preciso poupar nos combustíveis ,fertilizantes e pesticidas
A função do pousio é múltipla: -- melhorar as pastagens, restituir a fertilidade dos solos preparando-os para uma cultura; eliminar as ervas daninhas e as pragas e doenças do solo; e tornar possível e regeneração espontânea dos montados Trata-se de uma pratica normalíssima tradicionalmente em uso entre nós .O impedimento do seu pastoreio é algo que não se entende A sua extinção é uma inevitabilidade
d)— OCM—organização comum de mercados .Trata-se da livre circulação dos produtos agrícolas, ao nível mundial, o que mais não é do que um imperativo duma época de comunicações instantâneas . Significa que cada região cultive e envie para o mercado global aquilo que faz melhor Se não houver batota trata-se de uma medida de extrema importância que, desde há cinquenta anos a esta parte, a FAO vem pugnando, como forma de atenuar a fome e a desnutrição de muitos povos . Reduzem -se as desmatações e, com isso, a obtém-se mais estabilidade climática; deixam de ser necessárias a intensificação das culturas e confinamento do gado , condições que estão na origem da doença das vacas loucas , dos venenos nos vegetais, dos antibióticos na carne, etc., doenças pavorosas contra as quais a medicina experimenta manifesta dificuldade em enfrentar Essa globalização , se bem que contenha alguma perigosidade , não deixa de ter vantagens desde que com regras E, acima de tudo, porque a alternativa seria o mercado fechado que faz parte do passado . Daí que organizarmo-nos de acordo com a nossa especificidade regional é o melhor remédio.

3---Organizarmo-nos de acordo com a nossa especificidade regional ; preparar e robustecer a nossa classe no sentido de não dar azo a contestações tantas vezes justas; adoptar um comportamento de seriedade perante a comunidade regional ,que nos concedeu o uso do espaço rústico comum ,no sentido mais elevado do termo, em relação à qual temos o dever de um bom desempenho Parece ter ido nesse sentido a ênfase, com que o deputado europeu, defendeu o desenvolvimento rural
Vão ser para ai canalizadas abundantes verbas, remanescentes das restantes rubricas, na medida em que forem sendo desactivadas. Deduz-se ser pela via do desenvolvimento rural que se irão amortecer os efeitos da nova filosofia das ajudas
Mas há uma questão que não pode ser olvidada:--o tecido agro-fundiário regional esta viciado . Não obstante desde há vinte e um anos a esta parte (três QCA), para aqui terem sido canalizadas verbas imensas, a resposta não tem sido satisfatória; não obstante, neste mesmo período, a cortiça, um recuso natural de custo zero, ter valido mais de dez biliões de euros, no mesmo período, o Alentejo não obteve um desenvolvimento compaginavel com tanto dinheiro . Daí que se possa inferir que não basta dinheiro para o Alentejo sair da cepa torta. É preciso uma reestruturação fundiária profunda. Mas rápida. O tempo urge . Francisco Pândega (agricultor); fjnpandega@hotmail.com ;alentejoagrorural.blogspot.com

7.6.08

AlentejoAgroRural
E o
GASÓLEO
1--A subida do preço do gasóleo e os seus efeitos na produção dos alimentos estão a afectar economia domestica de todas as famílias . Daí que se exija dos agricultores alentejanos ,já que a comunidade lhes concedeu o uso da terra ,que cumpram o dever que está subjacente a essa concessão procedendo ás adaptações que forem necessárias afim de acelerar a produção de alimentos de qualidade ,a preços justos , preservando o meio ambiente . Isto, porem , implica ,para que o Alentejo volte a ser o celeiro do pais ,que seja libertado dos factores exógenos que atravancam o seu desenvolvimento rural .Trata-se de uma medida indispensável , que só peca por tardia , para a qual nos tem faltado coragem politica .

2---A presente crise petrolífera e os constrangimentos fundiários que aqui persistem, tornam evidente que o Alentejo , se bem que seja potencialmente um colosso agrícola ,tem dificuldades em enfrentar este novo desafio .Analisa-lo ,numa óptica agro-silvo-pastoril , que constitui a trave-o mestra do seu desenvolvimento , é o que nos propomos neste escrito.
Reconhecendo , embora , que corro o risco de ser tido por agricultor tradicionalista ,a minha tese é sustentada no facto de que, no exercício da actividade agrícola , se têm que equacionar duas componentes :-- uma , de acordo com as condições edafo-climáticas de cada região ,exploração e , nesta, de cada parcela ; e outra os instrumentos, em permanente evolução , ,com que se intervêm, agiliza e humaniza essa mesma intervenção

a)---Agricultura ..È verdade que 80% dos solos alentejanos , têm que ter um aproveitamento agrícola extensivo ,por meio dos tradicionais sistemas de afolhamentos e , em cada folha , uma rotação de culturas de acordo com a sua capacidade auto-regenerativa da fertilidade .Na rotação , e após um alqueive ,semeiam-se cereais cuja produções unitárias são geralmente baixas. Mas os custos da cultura não são somente imputáveis aos cereais mas também ás pastagens e preservação do montados ,para alem do ambiente , cinegética , paisagem, etc , o que torna a cultura viável mesmo com base em baixas “fundas”
É assim porquê ?—Porque se a terra não for mobilizada , com certa periodicidade , transforma-se em matagal inóspito e agressivo , os solos compactam-se cessando o arejamento ; impermeabilizam-se e impedem a penetração das aguas ; a erosão laminar faz diminuir a camada arável ; reacções químicas favoráveis deixam de se processar; os montados entrem em decrepitude e morrem ; as pastagens dão lugar a plantas grosseira . Logo ,o Alentejo, tem que ser arado com regularidade..
Após uma ou duas culturas (cabeça de rotação e relvas ) segue-se um período regenerador de pousio/pastagem em que a terra readquire a fertilidade ,perdida na cultura anterior, e, com isso , necessita de menos fertilizantes ; elimina as ervas daninhas assim como as pragas e doenças do solo , e , com isso ,torna desnecessária a utilização de pesticidas .Na meia dúzia de anos seguintes , produz pastagem natural ..É assim o Alentejo .Mas deixa de o ser se apossado por quem não queira ou não saiba tirar partido dessa característica .

b)—Montados .Falar de silvicultura , significa montados ou seja:--- azinho e sobro. Desnecessário se torna frisar as suas funções :--- estabilidade climática, a função paisagística e ambiental ; cortiça que , só por si , daria para viabilizar todos os sonhos regionais , e a bolota que continua a ser o produto por excelência na engorda de porcos de montanheira
Mas é preciso que se entenda que os montados não são bosques que se votem ao abandono .Se bem que não necessitem dos cuidados dispensados a um pomar, exigem , porem , alguma intervenção que geralmente se faz em simultâneo e em articulação com o aproveitamento do sub coberto como nos referimos um pouco atrás .
O sobro e azinho , sendo arvores de grande longevidade (cerca de dois séculos) e muita rusticidade ,são muito frágeis e morrem com o mau uso da maquina agrícola .Os grandes montados , de até há pouco , hoje com pouca densidade e uma muito baixa percentagem de arvores novas ,devem-se a uma correcta gestão agrícola e mobilizações do solo pela tracção animal. Um tractor usado por quem não lhe “doa” abalroa as arvores adultas , esfarripa , “esnoca” e soterra as novas É esse o mau caminho que trilhamos que vai conduzir á ruína , cada vez mais evidente , dos montados Não se podendo restaurar a tracção animal terá que se continuar a mecanização se bem que usada por quem lhe doa
Ou seja por agricultores usufrutuários , directos e assíduos ,que lhe façam um uso digno e consciente .

c) – Gados-- Vacas ,ovelhas ,porcos e cabras são o gado indígena do Alentejo com vocação para ser explorado em regime de manadio e com permanecia nas pastagens . Maneio diferente da restante Europa que , por questões climáticas , implica que os animais tenham acesso a pavilhões aonde pernoitem sejam suplementados
No Alentejo as raças autóctones são as que mais se adaptam ao meio e melhor superam as crises. Assim , e numa óptica de economia de rações , medicamentos e outros custos , damos algumas sugestões :--
---As vacas devem parir nas aguas novas (Outono) afim de desmamar as crias na Primavera , quando há pastagem em abundância , amortecendo o choque da desmama Um ano depois da desmama ou seja na primavera /verão seguinte ,os novilhos ,com dezoito meses , estão gordos e acabados , sem que tenham tido necessidade de rações mas tão só palha e fenos durante o Inverno ..
--As ovelhas parem no fim do verão (Setembro )Dado serem animais dóceis e de fácil contenção , podem ser levados, a pastar e a parir ,para as vinhas comendo as parras , rabisco e ervas ; para os olivais aonde procedem ao desladroamento comem azeitonas gafas e rama das podas; para o levantamento dos meloais e tomatais ,fazendo o aproveitamento dos resíduos da cultura que de outra forma se perderiam
E ,com isso , passam o período critico do Outono .Os borregos engordam e desmamam-se na Páscoa seguinte No imediato dá-se inicio ao alavão que o mesmo será dizer ao fabrico de queijos de ovelhas ,uma autentica iguaria da gastronomia tradicional .No verão , e após as ceifas , vão para os agostadores comer pastos e espigas assim como os “arrepêlos “ sob a copa das arvores ou junto ás extremas e valados onde as maquinas não chegam.
Sem custos adicionais mas perfeitamente integradas no sistemas ,as ovelhas são rentáveis .Pena é que tenham sido descriminadas negativamente em sede de RPU.
--Os porcos alentejanos fazem duas parições :-- uma em Março e outra em Setembro Isto também por uma questão de temperaturas dado que o frio de Inverno e o calor de verão afectam os recém nascidos .Em Março comem erva , como as vacas e ovelhas ,mas também raízes e tubérculos alem de efectuarem “desinça” da bicheza que , nesse período do ano, abunda nas pastagens ; no verão vão para o agostadoro recolhendo os grãos de cereais debulhados, tal como se fossem aves granívoras .Nas aguas novas , as formigas denunciam os formigueiros .Cheios de cereais armazenados , os porcos ,com a sua potente tromba , captam-nos até ás galerias mais fundas
No Inverno ,os destinados ao montado , trocam de denominação .Em vez de rebanho chama-se “vara” .Vara porque dantes eram guardados por um “vareiro” o homem que transportava uma comprida vara com a qual varejava os chaparros , fazendo cair a bolota e com isso agrupando os porcos á sua volta
Não há animal algum que , como o porco , tenha tanta capacidade de converter a bolota em carne . Carne de porco , bastante gordurosa ,com base na qual o homem do campo, exposto aos rigores do Inverno , obtinha resistências

3—É assim o AlentejoAgroRural aonde o homem e o meio podem viver em perfeita sintonia .Ou melhor :--Seria assim se factores estranhos ao sistema não impedissem que a normalidade se processasse É que , não há razões nenhumas , sejam elas de natureza edafo-climáticas ,técnica agrícola , humanas ou a sociais , para que nós não nos possamos enquadrar nesta nova ordem que impõe :--- Que extraiamos da terra alimentos de qualidade , com baixos custos de produção e um mínimo de consumo de energia
Não se pode , porem , pretender fazê-lo sequestrando o espaço rústico ; nem com pequenos agricultores ,nas suas inviáveis courelas , acantonadas na periferia das aldeias ; nem com donos de vastas terras residentes algures que impedem o normal exercício da actividade ; nem com especuladores fundiários que a sequestram e usam para lazer e estatuto pessoal ; ou por parte de quem somente vise a rapina dos recursos regionais , tal como acontece com a cortiça , cuja produção , nos últimos vinte anos , ascendeu a muitos biliões de euros , totalmente daqui desviados
Temos, pois , que mudar de paradigma O actual modelo está viciado . Já causou danos demais A população rural , que nas aldeias sobrevive a expensas da segurança social , começa a dar sinais de inquietude Temos pela frente uma complicada situação agro-rural que expulsa as suas gentes e as que restam são pacificadas pela coacção Os grandes donos do Alentejo (não estou a falar de agricultores eficazes que felizmente ainda os há ) , incapazes de estar a altura dos superiores desígnios que a detenção da terra implica , perdem a noção do respeito e patriotismo que sua posse pressupõe Esta questão dos combustíveis esta pôr a nu as fragilidades e incoerências aqui perpetradas A manutenção da paz rural , agora contaminada pelos reboliços urbanos , impõe uma rápida justiça fundiária
Francisco Pândega (agricultor ) ; fjnpandega@homail.com ; alentejoagrorural ,blogspot.com