AlentejoAgroRural
UMA ANÀLISE COMPARATIVA
1— Estávamos na década sessenta .No Cuanhama , a sul de Angola , a comunidade rural manifestava-se ,com alguma turbulência , contra a instalação de fazendeiros , na sua região .Alegavam , e com muita razão , que alguns deles , ao construírem cercas de arame farpado , interrompiam os trajectos da transumância e dificultavam-lhes o acesso aos locais de abeberação
.Os cuanhamas são povos pastores , muito altivos e determinados . Vivem de forma tribal e todos os seus interesses gravitam em torno da criação de gado bovino . Muito aguerridos , combateram o exercito português com alguma eficácia .Não obstante as pesadas derrotas que lhes foram infringidas quer pelo capitão Alves Roçadas quer pelo general Pereira DÉça , mantiveram a liberdade de acção a independência de carácter ,para alem de uma postura de superioridade tribal .
Para analisar a situação foram indicados o eng. Possinger, alemão, da Universidade Munique ; os nossos serviços incumbidos de lhe prestar apoio logístico ; e eu , técnico dos mesmos , como motorista , guia e interprete nalgumas das viagens ..As recomendações protagonizadas foram a prova cabal da nossa sensibilidade e respeito dos direitos das comunidades rurais .Daí resulta o facto de , passados os desmandos da descolonização , as nossos relações ,com esses povos , voltarem a ser amistosas .Uma pergunta ,porem , se impõe :--- Porque é que se não se usam os mesmos critérios de respeito ,em relação aos autóctones alentejanos , que usamos com os povos que colonizamos ?
2--Foi produzido um trabalho que continha recomendações audazes .Localizava a região com muito detalhe ; descrevia o meio natural com algum pormenor ,; o tipo de povoamento que era exclusivamente de pastores itinerantes ; e alvitrava uma solução pacificadora evitando um possível recrudescer contestatário .
Sem considerações desnecessárias ,fez-se um trabalho isento, corajoso e muito profissional que se podia resumir assim :-- Nas actuais circunstancias ,a viabilidade funcional da região ,quer económica quer social , impõe que seja mantida e preservada na presente configuração geográfica com um mínimo de interferências externas .
a)—Trata-se de região natural e tribal homogénea , com uma superfície semelhante a Portugal . .Situa-se entre o sopé sul do planalto do Huambo numa extensão de 200Km aprox. e a norte da Namíbia numa extensão de cerca de 400Km É considerada a região de transição entre o Planalto do Huambo , fecundo e rico em recursos hídricos e o deserto do Kalaari um local extremamente inóspito .A Poente é limitada pelo rio Cunene e a Nascente pelo Cubango .Estes dois rios têm em comum o facto de serem enormes e a particularidade nascerem ambos na anhara do Vulo-Vulo a 15 km de distancia um do outro , entre a cidade do Huambo ( junto a embala do soba grande ) e o Chinguar Ambos se dirigem para sul .Chegados a Namíbia , o Cubango inflecte para nascente na direcção do Indico só não o alcançando porque antes se perde nos pantanais do Botswana O Cunene inflecte para poente ,na direcção do Atlântico raras vezes lá chegando porque antes infiltra-se nas areias da Namíbia
b)--- Caracteriza-se ainda ,em termos orográficos ,por ser uma planura arenosa ; com um regime de chuvas do tipo torrencial mas com uma queda anual muito baixa ; em termos climáticos ,seco com altas e baixas temperaturas no mesmo dia ; vegetação do tipo savana com predominância de espinhosas ; abundância de caça (elefantes rinocerontes .zebras , palancas , e outras antílopes ) ;pastagens espontânea do tipo pasto salgado muito palatável e nutritivo conferido á carne (dos bovinos assim como da caça ) um sabor muito especial ; não praticam agricultura limitando-se ao cultivo de sorgo (massango e massambala , ) nos currais desactivados beneficiando dos estrumes e da protecção do cercado .A grande limitante é a escassez de agua dado que ,exceptuando aqueles dois rios periféricos , no seu interior não há cursos de agua com caudal permanente mas sim pequenas lagoas resultantes das chuvas , dispersas , a esmo , que vão progressivamente secando na medida em que se entra no verão, condicionando toda a vida animal
c)---Escassamente povoada por diversas tribos do grupo etnográfico cuanhama concentram-se geralmente na margem esquerda do Cunene de onde irradiam na demanda de pastagem e para onde voltam geralmente acossado pela escassez de agua .Grandes produtores de “olongombe” (bovinos ) consomem e vendem anualmente muitos milhares de “garrotes” e “nemas” (novilhos e novilhas ) criados de uma modo ultra-extensivo cujos custos de produção ,descontada a mão de obra , são zero A transumância constitui uma espécie de façanha bem própria de homens audazes dado que pastar uma manada ,em tão estranhas condições , implica não deixar tresmalhar nenhuma rês ; conduzi-la para boas pastagens ; não a deixar morrer de fome nem de sede , nem serem devorada pelos leões com os quais têm frequentes lutas .
Isto tem efeitos no comportamento dos homens e determina , se efectuada com êxito ,que passe de adolescente para adulto tal como nós ,alentejanos , aquando das “acêfas “ .Tal dureza no trabalho fez do cuanhama um homem altivo senão mesmo belicoso mas também leal no comportamento Dai a razão porque tinha que ser tomada em devida conta a sua resistência a instalação de fazendeiros E quando lhe aconselhávamos moderação, respondiam , apontado para o forte de Roçadas ,recordação de duros combates contra os portugueses , exclamando “” Vocês , brancos ,vem e vão .Nós é que ficamos com os problemas que vocês cá nos deixam “” .Contra tais factos escasseavam-nos os argumentos .
d)----O relatório concluía pela cessação da emissão de concessões de terras .Que a cassação das licenças existentes , nas rotas da transumância , era desnecessária dado não haver a menor possibilidade de alguém , seja lá onde for , se instalar na agricultura contra a vontade das respectivas populações locais .E estas estavam determinadas a opor-se Logo seriam naturalmente desactivadas regressando ao domínio público . E com medidas , a prazo , dar-se-iam início á construção de “chimpacas” (charcas de terra nos locais a onde agua estava memos funda ) e nos locais mais secos a construção de furos com aero-bombas de elevação tal como fizeram a os sul-africanos na vizinha Namíbia Com isso os pastores sedentarizar-se-iam ,aumentando ,assim o encabeçamento .Alterar-se-iam os costumes de forma a que na geração seguinte houvessem locais de colonização sem afrontar os hábitos dos pastores indígenas
3---Certamente devido ao facto de ser aldeão , pequeno agricultor e filho de seareiro na época da extinção dessa modalidade , deu-me uma maior sensibilidade para a analise das questões agro-rurais de outras comunidades ,em cujos estudo e intervenção participei .Sempre com alma de rural alentejano .Daí facilmente ter constatado a veracidade do ditado que diz “ só se entende a dimensão de uma floresta se vista de fora “. Nessa perspectiva o Alentejo também é melhor entendido , em toda a sua plenitude , se visto de outras paragens a partir de outras realidades .Sobressaindo , então , com toda a pujança a sua grandeza espacial e as suas colossais potencialidades agrícolas Por outro lado e em contraste com outras comunidades , avultam os injustificados constrangimentos fundiários ,que lhe tolhem a produção e o bem estar rural , assim como o facto das gentes não fazerem parte da solução antes sim serem agentes ,tantas vezes passivos, dos estranhos interesses aqui instalados
Nestas condições e excluindo os sectores comerciais , industriais e serviços , que têm uma lógica muito própria , tem inteiro cabimento a recomendação preconizada para o Cuanhama “
“Nas actuais circunstancias ,a viabilidade funcional da região ,quer económica quer socialmente , impõe que seja mantida e preservada na presente configuração geográfica com um mínimo de interferências externas “.
Francisco Pandega (agricultor ) /// fjnpandega@hotmail.com/// Alentejoagrorural.blogspot.com
9.10.08
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