AlentejoAgroRural
 A   ESPECIFICIDADE REGIONAL 
1---Já homenzinho, e com experiência da agricultura tradicional alentejana, na década cinquenta, fui para Africa, mais propriamente para Colonato Europeu da Cela, integrado num grupo, de cerca de duas mil famílias de colonos, cujo objectivo era o povoamento de Angola por europeus. A Cela era, e é, uma vasta planície formada por várzeas imensas, longitudinais ás linhas de água, intercaladas por morros íngremes. Localiza-se na transição entre da região temperada do Planalto do Huambo, e a região equatorial do Amboim.Se bem que fossemos agricultores profissionais, originários das diferentes regiões dos pais, nem por isso deixamos de ter sérias dificuldades de adaptação nesta nova realidade regional Éramos apoiados por inúmeros técnicos, o que seria de supor que a nossa integração acontecesse sem percalços de maior. Não foi isso, porém, que aconteceu. Bem pelo contrario : foram a mais completa desilusão  Desde o inicio que nos fomos apercebendo disso Éramos, porem, compelidos a seguir as suas directrizes já que eles detinham incentivos, tal como presentemente com os fundos da PAC, com quais e de forma indirecta, nos levavam a fazer asneiras atrás de asneiras. Desde animais inadaptados, mobilizações da terra inadequadas, cultura estranhas e fora de tempo. Enfim. A inexperiência de braço dado com a possibilidade de concessão de apoios. . Só começamos a acertar o passo quando conseguimos libertarmo-nos dos seus conselhos. Deu-se a natural selecção, entre os colonos / agricultores, e, ao fim de algum tempo, conseguíamos abastecer Luanda de lacticínios, hortaliças e carne A certa altura havia-se instalado, na região, um agricultor com uma grande exploração o qual, segundo os nossos técnicos, era o protótipo da eficiência que convinha seguir Nas comparações, que amiúde se faziam em relação a nós, não raro redundavam num depreciativo “ sois uns nabos” Um dia, no meu velho camião, fui vender horto-frutícolas a Luanda, tendo descoberto casualmente toda a verdade. Um carro avariado na beira da estrada; um sujeito, de meia-idade a pedir boleia. Durante o longo caminho, conversa puxa conversa, tendo ficado a saber que era o tal agricultor bem sucedido comummente usado como elemento de comparação connosco. A certa altura o homem abriu-se: ---“ Olhe! Estou farto de ali enterrar dinheiro Já gastei o dinheiro de uma roça de café que vendi nos Demãos e estou endividado. Isto não dá nada. Estou farto da fazenda.Se não aparecer alguém que a compre, por qualquer quantia, abandono-a. Errei fazendo culturas inadequadas, adquiri gados caros que não se adaptam. Isto é um desastre. Deixei-me levar por conselhos técnicos; fui imprudente e errei demais “ De volta à Cela continuei a assistir à exaltação da eficiência agrícola do referido agricultor. Conhecedor do que se passava fazia, muito discretamente, aquele gesto de Bordalo Pinheiro. Hábito que, desde então, dada a abundância de oportunidades, continuo a usar.
2--- Por estranho que pareça , os factos  atrás narrados   repetem-se, aqui,  no Alentejo , outra  região, noutro  hemisfério ,  meio século depois , e com os mesmos nefastos contornos  . Continua  a contrariar-se  a natureza agro rural  específica da região ; usam-se os  subsídios  como incentivos  ao fomento  de culturas  pertença de outras regiões ; e permite-se  que a comunidade  rural  autóctone , que é quem tem o  querer  e o saber fazer,  seja  objecto de  mais incríveis constrangimentos  fundiários
a)---Cada  região é uma  unidade geo-sócio-económica individualizada   aonde se tem que praticar uma agricultura  adequada a sua  realidade edafo  –climática . Introduzir  sistemas agrícolas , culturas ou animais  exóticos ,  resultam danos económicos  e ambientais inexoravelmente  Esta verdade ,sendo  indiscutível, é frequentemente  desrespeitada    Acontece  a  tecnologia  também chegou  aos campos e, com ela , para o bem e para o mal   , praticamente tudo é  possível  --- Desde  cultivar arroz  num cabeço ,contanto  que se  terrecei  a terra e se eleve a agua  ou , o seu contrario , se cultive  cultivar trigo num brejo desde que se drene a agua  e se corrija a acidez do solo Isso porem  tem  custos  que as  inviabilizam em termos de mercado  .---Podem-se cultivar hortícolas,  numa varanda , em vasos de  areia  , desde  que se acrescente agua e micro nutrientes . A resultante ,porem , são produtos insípidos  ,descaracterizados ,não prestam para nada ,e   fazem   mal à saúde  .---Podem-se criar  e  engordar  animais ,confinados  a um espaço mínimo , alimentados  por rações de  alta energia ,  na qual se adicionam  anabolizantes  , antibióticos .Mas isto , para alem  de   uma violência à condição animal , resulta ,em vez de carne ,numa massa informe  que , não raro ,constitui um atentado a saúde pública ----Todos nós somos tentados ,perante os frondosos  laranjais  da  orla do Mediterrânico,  a interrogar-nos .Porque não fazemos o mesmo Alentejo ?  ignorando que entre nós há o factor geada  que condiciona o seu cultivo .---- Ao vermos  olivais , altamente produtivos , nas terras  beneficiadas  pelo ar mediterrânico , que sobe pelo vale do Guadiana,   interrogamo-nos  :-- .Porque é que os homens antigos  não  fizeram  olivais na peniplanicie  de Évora ,em vez de se limitarem a enxertia de zambujeiros por bolhas  da variedade galega ? Já sabiam que , nesta , a produção de azeitona ,por oliveira ,   é metade do a que se verifica  na bacia  do Guadiana  e que  a mesma quantidade de azeitona dá  menos de metade do azeite A opção pela galega  em vez das variedades massanilha verdeal e   outras ,   deriva  do facto de se saber  que esta de facto produz ,para alem de um bom azeite ,  azeitonas de conserva  inigualáveis ----  A Califórnia , com um clima análogo ao Alentejo ,tem feito inúmeras tentativas para introduzir aí o sobreiro ,Se  bem que também tenham plantas da família das quercínias,  o sobreiro não resulta .Enquanto que na nossa região,  de regeneração espontânea , estamos  muito longe de tirar todo o  partido desta  fantástica  dádiva da natureza  É assim a natureza das regiões a ditarem as suas regras ..Compreendê-las em toda a sua profundidade não sei se é possível . Harmonizarmo-nos  com ela é o que devemos fazer  e está perfeitamente ao nosso alcance
b)---- No Alentejo abundam os factores responsáveis por esta  falta de produtividade . Não sendo o maior , um deles  , é haver uma  descoordenação  entre os técnicos agrícolas  e os agricultores na verdadeira acepção da palavra ,não sendo a maior responsável , contudo algum efeito .    .Aqueles ,  uma boa parte  a exercer  funções públicas,  só  são ouvidos  quando isso implique o acesso aos subsídios,  para evitar punições  ou repressões de gaveta    Disto resulta obviamente um mutuo descrédito Creio que a superação  deste  diferendo é relativamente simples  desde que se divida o sector  nas duas partes em que ele se compõe  :-- Uma ,o ecossistema ou seja  a organização do espaço e seu aproveitamento , na qual o homem que trabalha a terra directamente , tem uma percepção local muito realista   .A outra, dos técnicos , os detentores  do saber globalizado com muita capacidade de apreender as novas tecnologias e usar os factores de produção Porque um assunto de certo interesse  convêm ser um pouco mais explicito :--O primeiro , o agricultor directo, sabe  ordenar espaço  designadamente os afolhamentos ,rotação de  culturas , pousios  e alqueives ;espécies e raças de animas e seu maneio  e  de plantas  adequadas à região e seu cultivo  ; o sistema integrado  denominado agro-silvo-pastoril  que inclui  as culturas anuais de sequeiro e regadios no sub-coberto ; integração do montado,  vinhas e olivais articulados  e complementares  entre si  ;  um calendário agrícola de acordo com as épocas do ano tendo em conta   as questões laborais , alimentares   e até lúdicas O outro , o  técnico agrícola ,  de conhecimentos globalizados  , sabe,  ou se não sabe facilmente aprende ,  dos  modernos equipamentos informáticos; , os semoventes ,alfaias, ferramentas e utensílios ; fertilizantes , pesticidas , rações e medicamentos ; melhoramento  fundiários  ;  equipamento de rega;   etc. etc.Seria bom,  para ambas as partes e para o Alentejo em particular  ,  que estes  dois grupos  se entendessem na forma de juntar a experiência do saber feito  com as  capacidades de interpretar e implementar as novas tecnologias agrícolas .Contudo o ideal  seria proporcionar conhecimento aos filhos dos homens da terra  (os futuros  agricultores  ), e terras aos  técnicos que saem das universidades  para aí exercerem as funções para as quais foram preparados 
c)--- Nós ,   agricultores , estamos a atravessar um mau momento . O facto de sermos desunidos impede-nos  de fazer valer a nossa verdade . O facto de alguns  de nós de terem transformado em autenticos sorvedores de subsidios  coloca-nos , a todos de uma maneira geral ,  em descrédito perante a opinião pública Há pois  uma destrinça a fazer O agricultor  tal como é definido em termos comunitários  e os donos de terras  que estão por aí  deambulam ,algures , tantas vezes na luxúria,  a dissipar os  vastos  proventos daqui auferidos Esta estranha  desorganização da classe  não aconteceu  por obra do acaso Tem ,na presente geração, o seu grande responsável  :--o ministro da agricultura com inicio de funções  em  1986 ´Álvaro Barreto Teve a sus acção no pós reforma agraria   e início  dos apoios  comunitários  Foi , sem duvida  o ministro mais  anacrónico , retrógrado  e disfuncional  que se pode imaginar   Numa altura em que a desactivação das UCP prosseguia  , a bom ritmo,  por acção de Sá Carneiro , seria suposto que a sua  excelente politica agrícola , tivesse prosseguimento Mas não .Fez-se tudo  ao contrário  do que seria expectável  :---  A reimplantação dos infindáveis latifúndios da nossa desgraça ; um arrendamento  acintoso e  gerador de uma dependência imprópria para a época ;  absurdas cedências de terra ,  em regime de exploração de campanha (seis meses ),  repescada dos antigos seareiros  ,esses abnegados  homens da terra  levados a exaustão pelos desumanizados detentores da terra ;  a prevalência de  sociedades agrícolas ,ou seja,  agricultura sem rosto aonde a terra pode ser detida pelas mais estranhas criaturas   com os propósitos mais inconfessáveis  ; fez a negociação do primeiro QCA visando os interesses  dos grandes donos do Alentejo e não a agricultura regional com a agravante daquele   se ter   encadeado  com os dois  seguintes que coartou  seriamente  a acção dos governates seguintes ;  .O Alentejo  ficou a produzir menos , mais despovoado ,  fragilizado, e vulnerável .Transformou-se no que se vê   :  num  El`Dorado em franca colonização alienígena  , autêntico moicano  de final de ciclo ,
3----.O facto do Alentejo estar a ser alvo  de  uma enorme aquisição de terras por parte de estranjeiros   , por detrás  dos quias se acobertam   autênticas centrais de financiamento  que não olham a preços ,  custos , prazos ou juros, perante uma promessa de compra de terras no Alentejo ,   assume  contornos invulgares    com  consequências  difíceis  de imaginar . É que estamos a tratar do espaço físico ancestral sobre o qual se exerce na nossa nacionalidade / regionalidade ,que, de forma alguma ,pode ser alienado  seja a que pretexto for .Não é convertível em dinheiro nem em coisa alguma  . Enquanto isso está a acontecer há inúmeros aldeãos  alentejanos válidos , famintos de terra ; há milhares de jovens  com formação agrícola ,que vivem  numa tremenda  frustração   por  impossibilidade de a ela aceder   Temo que isto tenha  consequências . Mas se outras  não houver , de uma não nos livramos  :--- o sermos  a geração vergonha ,  incapaz  de pôr em causa  certos direito  adquiridos  e de implantar  alguma justiça fundiária .Geração que capitula   miseravelmente   ,abrindo mão de uma faixa do nosso território ,e com ela os restos dos cadáveres  dos nossos avós  que tombaram ,por essas chapadas , para no-las legar. Francisco Pândega (agricultor ); e-mail / Fjnpandega@hotmail.com ; blog  / alentejoagrorural.blogspot.com
3.8.06
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
3 comentários:
Boa tarde.
Chamo-me Ana Pinto. Encontro-me a fazer uma pesquisa sobre o Colonato da Cela, e, no meio da procura que fiz no google, encontrei este blog. Verifico, ao ler, que se trata de alguém que por lá esteve... Por isso pergunto se será possível pedir-lhe algumas informações... ainda que por via blog...
Muito Obrigada
AP
Cool blog, interesting information... Keep it UP » » »
Excelente texto sobre o Colonato da Cela e o sobre a especificidade da agricultura alentejana. Vou permirtir-me fazer-lhe um link do texto no sentido de obrigar à sua leitura integral.
Fica-me a expectativa de podermos ter estado no mesmo local e na mesma data, se a sua partida para lá foi em 1955.
Estive na aldeia do Monsanto, nº 6, depois desactivada e na do Vimieiro, nº 1.
Tenho por aqui uns apontamentos do meu pai que vou também editar que podem ficar como matéria para pesquisadores como a Ana Pinto. À Ana Pinto, se tivesse aqui o seu contacto dar-lhe-ía os links que pode encontrar neste post que fiz em 2006: http://rendarroios.blogspot.com/2006/12/colonizao-pontos-de-vista.html
Do Francisco, gostaria de saber se fomos de facto visinhos.
Enviar um comentário