3.8.06

AlentejoAgroRural
A ESPECIFICIDADE REGIONAL
1---Já homenzinho, e com experiência da agricultura tradicional alentejana, na década cinquenta, fui para Africa, mais propriamente para Colonato Europeu da Cela, integrado num grupo, de cerca de duas mil famílias de colonos, cujo objectivo era o povoamento de Angola por europeus. A Cela era, e é, uma vasta planície formada por várzeas imensas, longitudinais ás linhas de água, intercaladas por morros íngremes. Localiza-se na transição entre da região temperada do Planalto do Huambo, e a região equatorial do Amboim.Se bem que fossemos agricultores profissionais, originários das diferentes regiões dos pais, nem por isso deixamos de ter sérias dificuldades de adaptação nesta nova realidade regional Éramos apoiados por inúmeros técnicos, o que seria de supor que a nossa integração acontecesse sem percalços de maior. Não foi isso, porém, que aconteceu. Bem pelo contrario : foram a mais completa desilusão Desde o inicio que nos fomos apercebendo disso Éramos, porem, compelidos a seguir as suas directrizes já que eles detinham incentivos, tal como presentemente com os fundos da PAC, com quais e de forma indirecta, nos levavam a fazer asneiras atrás de asneiras. Desde animais inadaptados, mobilizações da terra inadequadas, cultura estranhas e fora de tempo. Enfim. A inexperiência de braço dado com a possibilidade de concessão de apoios. . Só começamos a acertar o passo quando conseguimos libertarmo-nos dos seus conselhos. Deu-se a natural selecção, entre os colonos / agricultores, e, ao fim de algum tempo, conseguíamos abastecer Luanda de lacticínios, hortaliças e carne A certa altura havia-se instalado, na região, um agricultor com uma grande exploração o qual, segundo os nossos técnicos, era o protótipo da eficiência que convinha seguir Nas comparações, que amiúde se faziam em relação a nós, não raro redundavam num depreciativo “ sois uns nabos” Um dia, no meu velho camião, fui vender horto-frutícolas a Luanda, tendo descoberto casualmente toda a verdade. Um carro avariado na beira da estrada; um sujeito, de meia-idade a pedir boleia. Durante o longo caminho, conversa puxa conversa, tendo ficado a saber que era o tal agricultor bem sucedido comummente usado como elemento de comparação connosco. A certa altura o homem abriu-se: ---“ Olhe! Estou farto de ali enterrar dinheiro Já gastei o dinheiro de uma roça de café que vendi nos Demãos e estou endividado. Isto não dá nada. Estou farto da fazenda.Se não aparecer alguém que a compre, por qualquer quantia, abandono-a. Errei fazendo culturas inadequadas, adquiri gados caros que não se adaptam. Isto é um desastre. Deixei-me levar por conselhos técnicos; fui imprudente e errei demais “ De volta à Cela continuei a assistir à exaltação da eficiência agrícola do referido agricultor. Conhecedor do que se passava fazia, muito discretamente, aquele gesto de Bordalo Pinheiro. Hábito que, desde então, dada a abundância de oportunidades, continuo a usar.

2--- Por estranho que pareça , os factos atrás narrados repetem-se, aqui, no Alentejo , outra região, noutro hemisfério , meio século depois , e com os mesmos nefastos contornos . Continua a contrariar-se a natureza agro rural específica da região ; usam-se os subsídios como incentivos ao fomento de culturas pertença de outras regiões ; e permite-se que a comunidade rural autóctone , que é quem tem o querer e o saber fazer, seja objecto de mais incríveis constrangimentos fundiários

a)---Cada região é uma unidade geo-sócio-económica individualizada aonde se tem que praticar uma agricultura adequada a sua realidade edafo –climática . Introduzir sistemas agrícolas , culturas ou animais exóticos , resultam danos económicos e ambientais inexoravelmente Esta verdade ,sendo indiscutível, é frequentemente desrespeitada Acontece a tecnologia também chegou aos campos e, com ela , para o bem e para o mal , praticamente tudo é possível --- Desde cultivar arroz num cabeço ,contanto que se terrecei a terra e se eleve a agua ou , o seu contrario , se cultive cultivar trigo num brejo desde que se drene a agua e se corrija a acidez do solo Isso porem tem custos que as inviabilizam em termos de mercado .---Podem-se cultivar hortícolas, numa varanda , em vasos de areia , desde que se acrescente agua e micro nutrientes . A resultante ,porem , são produtos insípidos ,descaracterizados ,não prestam para nada ,e fazem mal à saúde .---Podem-se criar e engordar animais ,confinados a um espaço mínimo , alimentados por rações de alta energia , na qual se adicionam anabolizantes , antibióticos .Mas isto , para alem de uma violência à condição animal , resulta ,em vez de carne ,numa massa informe que , não raro ,constitui um atentado a saúde pública ----Todos nós somos tentados ,perante os frondosos laranjais da orla do Mediterrânico, a interrogar-nos .Porque não fazemos o mesmo Alentejo ? ignorando que entre nós há o factor geada que condiciona o seu cultivo .---- Ao vermos olivais , altamente produtivos , nas terras beneficiadas pelo ar mediterrânico , que sobe pelo vale do Guadiana, interrogamo-nos :-- .Porque é que os homens antigos não fizeram olivais na peniplanicie de Évora ,em vez de se limitarem a enxertia de zambujeiros por bolhas da variedade galega ? Já sabiam que , nesta , a produção de azeitona ,por oliveira , é metade do a que se verifica na bacia do Guadiana e que a mesma quantidade de azeitona dá menos de metade do azeite A opção pela galega em vez das variedades massanilha verdeal e outras , deriva do facto de se saber que esta de facto produz ,para alem de um bom azeite , azeitonas de conserva inigualáveis ---- A Califórnia , com um clima análogo ao Alentejo ,tem feito inúmeras tentativas para introduzir aí o sobreiro ,Se bem que também tenham plantas da família das quercínias, o sobreiro não resulta .Enquanto que na nossa região, de regeneração espontânea , estamos muito longe de tirar todo o partido desta fantástica dádiva da natureza É assim a natureza das regiões a ditarem as suas regras ..Compreendê-las em toda a sua profundidade não sei se é possível . Harmonizarmo-nos com ela é o que devemos fazer e está perfeitamente ao nosso alcance

b)---- No Alentejo abundam os factores responsáveis por esta falta de produtividade . Não sendo o maior , um deles , é haver uma descoordenação entre os técnicos agrícolas e os agricultores na verdadeira acepção da palavra ,não sendo a maior responsável , contudo algum efeito . .Aqueles , uma boa parte a exercer funções públicas, só são ouvidos quando isso implique o acesso aos subsídios, para evitar punições ou repressões de gaveta Disto resulta obviamente um mutuo descrédito Creio que a superação deste diferendo é relativamente simples desde que se divida o sector nas duas partes em que ele se compõe :-- Uma ,o ecossistema ou seja a organização do espaço e seu aproveitamento , na qual o homem que trabalha a terra directamente , tem uma percepção local muito realista .A outra, dos técnicos , os detentores do saber globalizado com muita capacidade de apreender as novas tecnologias e usar os factores de produção Porque um assunto de certo interesse convêm ser um pouco mais explicito :--O primeiro , o agricultor directo, sabe ordenar espaço designadamente os afolhamentos ,rotação de culturas , pousios e alqueives ;espécies e raças de animas e seu maneio e de plantas adequadas à região e seu cultivo ; o sistema integrado denominado agro-silvo-pastoril que inclui as culturas anuais de sequeiro e regadios no sub-coberto ; integração do montado, vinhas e olivais articulados e complementares entre si ; um calendário agrícola de acordo com as épocas do ano tendo em conta as questões laborais , alimentares e até lúdicas O outro , o técnico agrícola , de conhecimentos globalizados , sabe, ou se não sabe facilmente aprende , dos modernos equipamentos informáticos; , os semoventes ,alfaias, ferramentas e utensílios ; fertilizantes , pesticidas , rações e medicamentos ; melhoramento fundiários ; equipamento de rega; etc. etc.Seria bom, para ambas as partes e para o Alentejo em particular , que estes dois grupos se entendessem na forma de juntar a experiência do saber feito com as capacidades de interpretar e implementar as novas tecnologias agrícolas .Contudo o ideal seria proporcionar conhecimento aos filhos dos homens da terra (os futuros agricultores ), e terras aos técnicos que saem das universidades para aí exercerem as funções para as quais foram preparados

c)--- Nós , agricultores , estamos a atravessar um mau momento . O facto de sermos desunidos impede-nos de fazer valer a nossa verdade . O facto de alguns de nós de terem transformado em autenticos sorvedores de subsidios coloca-nos , a todos de uma maneira geral , em descrédito perante a opinião pública Há pois uma destrinça a fazer O agricultor tal como é definido em termos comunitários e os donos de terras que estão por aí deambulam ,algures , tantas vezes na luxúria, a dissipar os vastos proventos daqui auferidos Esta estranha desorganização da classe não aconteceu por obra do acaso Tem ,na presente geração, o seu grande responsável :--o ministro da agricultura com inicio de funções em 1986 ´Álvaro Barreto Teve a sus acção no pós reforma agraria e início dos apoios comunitários Foi , sem duvida o ministro mais anacrónico , retrógrado e disfuncional que se pode imaginar Numa altura em que a desactivação das UCP prosseguia , a bom ritmo, por acção de Sá Carneiro , seria suposto que a sua excelente politica agrícola , tivesse prosseguimento Mas não .Fez-se tudo ao contrário do que seria expectável :--- A reimplantação dos infindáveis latifúndios da nossa desgraça ; um arrendamento acintoso e gerador de uma dependência imprópria para a época ; absurdas cedências de terra , em regime de exploração de campanha (seis meses ), repescada dos antigos seareiros ,esses abnegados homens da terra levados a exaustão pelos desumanizados detentores da terra ; a prevalência de sociedades agrícolas ,ou seja, agricultura sem rosto aonde a terra pode ser detida pelas mais estranhas criaturas com os propósitos mais inconfessáveis ; fez a negociação do primeiro QCA visando os interesses dos grandes donos do Alentejo e não a agricultura regional com a agravante daquele se ter encadeado com os dois seguintes que coartou seriamente a acção dos governates seguintes ; .O Alentejo ficou a produzir menos , mais despovoado , fragilizado, e vulnerável .Transformou-se no que se vê : num El`Dorado em franca colonização alienígena , autêntico moicano de final de ciclo ,

3----.O facto do Alentejo estar a ser alvo de uma enorme aquisição de terras por parte de estranjeiros , por detrás dos quias se acobertam autênticas centrais de financiamento que não olham a preços , custos , prazos ou juros, perante uma promessa de compra de terras no Alentejo , assume contornos invulgares com consequências difíceis de imaginar . É que estamos a tratar do espaço físico ancestral sobre o qual se exerce na nossa nacionalidade / regionalidade ,que, de forma alguma ,pode ser alienado seja a que pretexto for .Não é convertível em dinheiro nem em coisa alguma . Enquanto isso está a acontecer há inúmeros aldeãos alentejanos válidos , famintos de terra ; há milhares de jovens com formação agrícola ,que vivem numa tremenda frustração por impossibilidade de a ela aceder Temo que isto tenha consequências . Mas se outras não houver , de uma não nos livramos :--- o sermos a geração vergonha , incapaz de pôr em causa certos direito adquiridos e de implantar alguma justiça fundiária .Geração que capitula miseravelmente ,abrindo mão de uma faixa do nosso território ,e com ela os restos dos cadáveres dos nossos avós que tombaram ,por essas chapadas , para no-las legar. Francisco Pândega (agricultor ); e-mail / Fjnpandega@hotmail.com ; blog / alentejoagrorural.blogspot.com

3 comentários:

Anónimo disse...

Boa tarde.
Chamo-me Ana Pinto. Encontro-me a fazer uma pesquisa sobre o Colonato da Cela, e, no meio da procura que fiz no google, encontrei este blog. Verifico, ao ler, que se trata de alguém que por lá esteve... Por isso pergunto se será possível pedir-lhe algumas informações... ainda que por via blog...

Muito Obrigada
AP

Anónimo disse...

Cool blog, interesting information... Keep it UP » » »

Graza disse...

Excelente texto sobre o Colonato da Cela e o sobre a especificidade da agricultura alentejana. Vou permirtir-me fazer-lhe um link do texto no sentido de obrigar à sua leitura integral.
Fica-me a expectativa de podermos ter estado no mesmo local e na mesma data, se a sua partida para lá foi em 1955.
Estive na aldeia do Monsanto, nº 6, depois desactivada e na do Vimieiro, nº 1.
Tenho por aqui uns apontamentos do meu pai que vou também editar que podem ficar como matéria para pesquisadores como a Ana Pinto. À Ana Pinto, se tivesse aqui o seu contacto dar-lhe-ía os links que pode encontrar neste post que fiz em 2006: http://rendarroios.blogspot.com/2006/12/colonizao-pontos-de-vista.html
Do Francisco, gostaria de saber se fomos de facto visinhos.