Alentejo agrorural
E O
DEZ DE JUNHO .
Dia de Portugal , e das Comunidades Lusíadas .Ou seja de Portugal e dessas diásporas lusas , espalhadas pelo mundo , constituídas por portugueses a quem as adversidades da vida ,ou o desejo de aventura , levaram a abalar. Foi Camões quem ,melhor do que ninguém , soube expressar a amargura da ausência da pátria , a dor de senti-la combalida e a magoa de vê-la a perder-se Um drama que tem perpassado por muitos nós em iguais circunstâncias Mas essa dor é particularmente sentida por parte dos que , no rescaldo da descolonização muito longe e em perigo , não foram socorridos mais parecendo ter sido objecto de obscuras negociações .
O 10 de Junho de 1975 foi particularmente penoso para mim e muitos outros portugueses que debandavam de Africa A pátria havia-nos abandonado . Sabemos ,por sentir na carne , o que é ser abandonado em situação de perigo .Na fuga ficou-nos ouvidos um “vai-te embora colono explorador que esta não é a tua terra” . Terra /pátria duas palavras que assumem gigantesco significado quando longe e nas situações de perigo Com mulher e três filhas meti-me ao caminho sempre a lutar para manter a integridade física . Atravessei as terras desérticas da Namíbia aonde bandos criminosos esperavam os incautos que as atravessavam, com especial predilecção para brancos principalmente se portugueses . O medo , nas vastidões ,modifica-nos .Sem saber como , apossamo-nos de uma certa coragem e ousadia que desconhecíamos possuir O meu maior desejo era ter uma máquina que catapultasse a minha família ,por cima do Atlântico, fazendo-a pousar em Portugal ,afim de que ,com ela a salvo , ficar mais disponível para a luta.
Depois de ter atravessado a Africa Austral , com inicio no Zaire , parei ,meses depois , aonde “acaba a terra e começa o mar” ou seja na cidade do Cabo. Um modesto emprego numa quinta pertença de uma família - ele sueco ela bóer - .Precisava de pôr os nervos em ordem . E de uma explicação para o facto da pátria me ter abandonado.
Começou ,porem ,aí , outra fase do mesmo drama . As noticias eram más .A pátria estava a esboroar-se . Isso tinha reflexos imediatos nas relações com as outras comunidades presentes na Africa do Sul . Nós éramos, para eles , poltrões que fogem sem dar luta ; néscios e estúpidos com opções colectivistas ; os madeirenses , a maior colónia estrangeira , da Africa do sul, diziam-se ser madeirenses somente ; alguns de nós evitavam dizer-se portugueses . Passar pela deprimente experiência de sentir-se apátrida ,é uma situação atroz que nos vara , fragiliza e faz-nos adoecer . Atónito e transido de dor, ia frequentemente ao promontório do Cabo das Tormentas . Local aonde esteve o nosso antepassado Camões e onde certamente sofreu , tal como nós , as magoas provocadas por uma pátria nem sempre justa para com alguns dos seus filhos .Precisava de pôr em ordem os meus conceitos já que as circunstâncias ,os desorganizavam na minha cabeça . Aquele lugar convidava à reflexão . As notícias vindas de Portugal afectavam-me imenso . No alto do colossal penhasco ,viam-se , a nossos pés ,na linha imaginária que separa o Atlântico do Indico , recifes emergentes .Certamente aqueles com os quais colidiram as nossas naus . Á memória ocorria-me aquele quadro , sempre presente na escola primaria da minha infância , em que , a sair de um tormentoso naufrágio, Camões nadava para terra , de braço erguido com os Lusíadas numa das mãos . Era um pedaço de uma pátria com um passado glorioso que contrastava com a cobardia porque estávamos a passar .
Regressar à minha pátria tornou-se numa obsessão .Afinal eu era e sou pertença do Alentejo Mal eu pensava que ai vinha a ser recebido ,não como ignoto filho que regressasse a casa , mas sim como alguém que andou por lá “a explorar os pretos e estava de volta para retirar os empregos dos que cá estavam” . Tive pena dos meus ex-companheiros de trabalhos esforçados dos donos das herdades , da periferia da aldeia mas que nem sequer conhecíamos , onde congeminamos inocentes acções revolucionarias . Cristalizados ,tive pena deles . Ao vê-los sentia-me insultado pelo que fizeram dos meus indefesas companheiros que nem sequer sabem avaliar a força da sua razão. Mal vai a pátria que não administra o seu espaço rural de forma a dar uma oportunidade aos seus filhos . O mantê-los na dependência de estranhos, que se apoderam do meio e retiram a identidade de um povo, tem custos ,Estão-se agora a pagar
E hoje , 10 de Junho de 2006, continuo com fundadas razões para estar preocupado em relação á integridade territorial da minha pátria . Agora , por processos mais modernos , está a ser adquirida por estrangeiros coisa que ao longo da história não conseguiram pela força das armas . Isto não aconteceria se tivesse havido o cuidado de incluir as gentes rústicas na administração da vida das aldeias . Sequiosos por dinheiro , alienamos o nosso espaço sagrado . Seduzidos por uma aparente eficácia agrícola , não percebemos podemos estar na presença de investimentos a ser feitos à conta dos custos de ocupação ; não percebemos que as sucessivas miraculosas soluções agrícolas , que impensadamente andamos a exaltar , se têm traduzido em outros tantos e sucessivos fracassos .Resistem esses estóicos e ignorados agricultores tradicionais que , sem alterar os sistemas mas sim os equipamentos, mantêm viva a chama agrícola adequada ás exigências da globalização
Já Camões sabia que , entre nós , havia, e há, muitos que capitulam deslumbrados pelo poder económico dos nossos vizinhos . Há , porem, outros, entre os quais os causticados por longa permanência no estrangeiro que , conjuntamente com a arraia miúda , não irão deixar de responder as suas responsabilidades para com a pátria É que ,a continuar assim ,dentre em pouco tempo ,não haverão razões para festejar o 10 de Junho ,no Alentejo
Certamente que as coisas não chegarão a tanto .Felizmente temos um governo a quem não falta coragem para enfrentar as corporações . Que não demore a confrontar as corporações fundiárias , com as exigências da pátria , é o que se espera . È que ,a não ser que se actue com celeridade , os próximos 10 de Junho podem não ter razão de acontecer entre nós .FRANCISCO PÂNDEGA (agricultor ) ; E-mail :- fjnpandega@hotmail.com ; blog.- alentejoagrorural.blogspot.com
11.6.06
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