27.5.07

AlentejoAgroRural

PROPRIEDADE RÚSTICA – sua alienação

1---A terra é mãe. Logo, não se vende. A mãe não se vende porque somos humanos e a terra também não por imperativo de sobrevivência.
Dantes, alguém que alienasse a sua terra era tido por indigno dado gorar as expectativas dos herdeiros pagando, com opróbrio, esse acto. E traidor, não raro pagando com a vida quem ousasse dar-lhe um destino que não se compaginasse com a integridade da pátria
De há dois séculos , a esta parte, e ao invés do usual antes, a terra alentejana tem sido alienada sem critérios de selecção, como se de um objecto descartável se tratasse. Despida de valia afectiva, fica disponível para ser apossada pelas mais estranhas criaturas, das mais longínquas proveniências, portadoras dos mais estranhos propósitos. Sem olharmos a sua origem, mas seduzidos pelo dinheiro que transportam , entramos num claro processo de destruição dos valores, vendendo o inalienável, sintoma de grave decadência sócio /regional .
Estamos a falar de propriedades rústicas. Estamos a falar de uma inumana colonização, com inicio há cento e setenta anos e que agora toma contornos mais graves dada a contiguidade com o pais vizinho. Embrulhamos no mesmo conceito liberal, áreas rústicas, (que o mesmo será dizer o espaço físico regional) com as restante actividades, sem ter em conta que estas porque itinerantes, de geografia variável e fungíveis, contrastam com a perenidade, estabilidade e valor histórico /afectivo do espaço rústico. Os povos sabem que espaço rústico e liberdade são questões interligadas. Daí que, cada qual, á sua maneira e pelos seus próprios meios, encontra formas de o preservar.

2--- O nosso drama regional consiste em a maior parte do Alentejo estar inoperacional, em termos agrícolas, e isso tornou-se possível porque houve o cuidado de anular a comunidade rural, tornando-a amorfa em relação a este problema. Disto resulta ser apossada por pessoas incapacitadas só o detendo porque não são escrutinados tal como as actividades politicas; por absentistas que se mantêm porque o mercado não os afecta tal como as restantes actividades económicas ; porque praticamente não são tributados como os restantes contribuintes ; e porque sendo a terra um bem comum, no sentido lato da palavra, não prestam contas do uso que lhes dão aos representantes da comunidade rural. Em suma, sem condicionantes, tornou-se num regabofe agro-rural que nos arruína económica e socialmente
Certos de que o nosso drama resulta da transmissão da propriedade rústica, merece a pena analisa-la em duas épocas distintas: -- antes e depois de um período bastante turbulento, que foi o ultimo quartel século XVlll e princípios do seguinte. Tudo aconteceu. Nada ficou como dantes: -- um terramoto, uma peste, a fuga da família real; os confisco das ordens religiosas, as invasões francesas , a perda de Olivença, dificuldades com os ingleses, só para falar dalguns.

a)— Antes daquele período de referência, as formas de transmissão da propriedade rústica eram: --
--- A herança perfeitamente regulamentada pelas leis do sucessório, ainda hoje em vigor. Exceptuando a lei do morgadio que consistia na indivisibilidade e manutenção de uma certa propriedade agrícola na configuração original, destinada ao sucessor a quem era cometida a representatividade da linhagem. Formula interessante nalguns aspectos (ser indivisa e haver alguém preparado para a administrar). Se despida da carga negativa resultante da nobreza, essa formula tem possibilidade de aproveitamento
O que , aliás, acontece ,de hoje em dia , na Europa mais desenvolvida.
--a doação era feita em beneficio de qualquer pessoas em relação á qual o doador tivesse uma dívida de gratidão. Mesmo para os municípios, no âmbito dos forais, a partir dos quais se formaram grandes baldios ou compartes, ainda hoje existentes no norte dos pais Também havia doações á igreja por donos de terras, tantas vezes com eles próprios optarem pela vida eclesiástica. Se bem que menos do que dantes, ainda há quem, movido por fervor religioso, ainda faça doações e pague promessas
---Aforamento era a forma mais comum de cedência de terras a quem as trabalhasse. Destinava-se, para alem de fazer face a crescente necessidade de alimentos, a pôr em pratica um sistema defensivo com base no povoamento . Recordo que com a aplicação da lei das Sesmarias povoou-se uma faixa fronteiriça, para conter as surtidas castelhanas, situação ainda hoje bem visível. Todos os povoados têm, na sua periferia , uma área de foros muitos dos quais conservam essa denominação
O aforamento ou enfiteuse incidia sobre os baldios, que eram talhonados, em sesmos, os quais ,por sua vez , eram subdivididos em courelas e atribuídas, sob a forma de aforamento, “a quem a trabalhasse “ , mediante o pagamento de uma foro anual, hoje imposto autárquico. Também as igrejas cediam as suas terras, dividindo-as em pequenas herdades, afim de nelas residirem meia dúzia de famílias (uma questão de defesa contra bandoleiros ) que aforavam mediante o pagamento de um foro em espécie (trigo, azeite, carne, etc.) Importa notar que a igreja, para a alem da ministrar os evangelhos ,tinha a seu cargo o acolhimento dos desvalidos , o ensino a diversos níveis, assim como tratava as enfermidades . Daí o foro ser pago em espécie e deferido ao longo do ano O contrato “foro” dava todas as garantias de permanência do agricultor, enquanto trabalhasse a terra e procedesse ao seu pagamento. Posteriormente e, por acordo entre as partes, era remido com a consequente plena posse .
---A usucapião e posterior direito consuetudinário consistiam em considerar legal o apossamento de uma terra desde que não houvesse contestação por parte de terceiros Também era usado nas oliveiras enxertadas em zambujeiro e na nas terras onde se instalasse um colmeal. Geralmente feitos em terras baldias que, na medida em que eram aforadas, as oliveiras e colmeal não entravam no contrato ..

b)—Após aquele período tudo se alterou e a venda de terras começou a processar-se a esmo e sem restrições de espécie alguma Uma grande herdade do Alentejo esta perfeitamente ao alcance de qualquer pessoas mesmo se pouco recomendável Esta pratica teve inicio com a venda dos bens nacionais , .em Lisboa , .que o mesmo será dizer das terras alentejanas que haviam sido confiscadas á igreja . Começou aí o drama alentejano . A venda dessas terras pressupunha a manutenção do foro ,que era individual e intransmissível ,A nação estava exausta . Devia dinheiro a toda a gente . Os funcionários reclamavam os salários em atraso .A manutenção do exército era feita a credito.. Estamos a falar de 1835 e não nos tempos mais recentes .
Os beneficiários foram uma burguesia endinheirada que emergiu no pós invasões francesas . .Sendo a posse da terra limitada aos agricultores directos , nobres e igreja , a voracidade pela sua obtenção tinha muito a ver com o prestígio que esta lhes conferia .Isso valeu-lhes a designação de “devoristas” .Bem apoiados depressa se apoderaram de todos os poderes ,das terras e gentes alentejanas . Repartiram ,entre si , os imensos baldios comunitários alentejanos o que foi considerado um “esbulho”
A partir de então ,as gentes locais rebaptizaram-nos de abutres .Nome de ave de rapina que bem caracteriza a sua pratica
O aforamento , se bem que em vigor ate 25 de Abril 74 , não voltou a ser praticado dado não haver terra baldias disponíveis e os presidentes dos municípios serem eles . Só no Ultramar continuou .
Começou a era dos seareiros , do aluguer de terras á campanha , da venda de pastagens e outras formas precárias absolutamente incompatíveis com a agricultura .Nem sequer compatíveis com o critérios da PAC que impõem um período mínimo de cinco anos de actividade
.Senhores todo poderosos do Alentejo e suas gentes , refeitos do susto da revolução de Abril , parece terem concluído que chegou o fim da sua actuação A venda aos estrangeiros , sem pejo nem engulhos , é solução encontrada .Mais uma vez e agora, ao que parece , para sempre , a comunidade rural residente fica arredada .É o destino dos vencidos .

3---- É obvio que o mundo rural alentejano ,em roda livre como está , agrada a dois tipos de gente :--- aos conhecidos donos do Alentejo , que se movimentam livremente , sem prestar contas á comunidade do uso que dão ao espaço agrícola ,que lhe foi concedido , nem da forma como o alienam , e , por outro lado , aqueles que ,com iguais propósitos , têm em mira substitui-los .Jamais á comunidade rural estabelecida, que vê abalar-lhe definitivamente a possibilidade de, ela própria , retirar o Alentejo deste atoleiro e construir uma comunidade prospera , que emparelhe com as outras regiões europeias, em termos de igualdade ,de dignidade e prosperidade .
A justificação para a discordância com a forma como a terra esta a ser alienada , é básica , simples intuitiva e consensual :-- tal como ninguém pode conduzir um carro , receitar um medicamento , erigir uma casa ,candidatar-se a alguns fundos comunitários , sem determinadas condições profissionais , também ninguém deveria poder adquirir uma propriedade rústica (de dimensão agrícola )desde que não enquadrasse nos superiores desígnios regionais .
F.Pândega (agricultor )//e-mail FJNPandega@hotmail.com.// alentejoagrorural.blogspot.com.

1 comentário:

Associação de Defesa dos Interesses de Monsaraz disse...

vimos pelo presente convidá-lo a estar presente na 17.ª Edição dos Encontros de Monsaraz (O DESENVOLVIMENTO DO ALENTEJO RURAL - o último Quadro Comunitário de Apoio (2007 / 2013) que se realiza nos próximos dias 22 e 23 de junho 2007. Com os melhores cumprimentos. Mais informações consulte http://encontrosdemonsaraz.blogspot.com