15.1.06

Alentejo agrorural
e a
MÃE REGIÃO
1---- Quando propuseram, ao chefe índio de Seatle ,a compra das suas terras , ele respondeu com irredutível altivez :-- mas a terra é mãe e a mãe não se vende .
Nas minhas deambulações por outros continentes e, nestes, por diversas paragens , na observação da relação homem/terra , e até na participação directa dos seus “mundos rurais “ é assim ,como disse o índio americano ,em todo o lado .Excepto no nosso Alentejo que está sendo objecto de uma excessiva colonização por parte de estrangeiros .
Isto vem a propósito da celeuma em volta da questão da electricidade .
Que outros sectores de actividade , estratégicos ou não , sejam adquiridos por estrangeiros quem sou eu (, um simples servo da gleba ),para me pronunciar a favor ou contra ? Outros o farão , quiçá , com mais propriedade . Porem ,quando se trate da alienação do nosso espaço físico , (a terra ) este chão sagrado que nos foi legado pelas nossos antepassados , lá a isso oponho-me terminantemente com argumentos validos e irrebatíveis
O facto do sector energético estar a ser adquirido pelos espanhóis está a fazer-nos despertar daquilo que parece ser uma longa sonolência Pena é que jamais tenha havido idêntica postura perante o facto de uma considerável fatia do Alentejo ,junto a fronteira da Extremadura , estar a ser incorporada na economia vizinha .Há aqui uma clara inversão de valores que , no mínimo , traduzem uma preocupante decrepitude moral e um perigosíssimo laxismo na avaliação ,preservação e defesa dos nossos interesses básicos .
Quanto a mim , podem perder-se essas empresas que nem tudo fica perdido . Mantenhamos , porem , o nosso espaço regional certos de que , sobre ele e com gente determinada , ergueremos outras . Sem espaço e com gente acomodada espera-nos a subserviência abjecta , a outros poderes ; limitações de acção ; partilha de rendimentos ; extinção desta nossa comunidade rural milenar Em suma entramos para a galeria dos povos que se deixaram vencer e extinguir .Ou seja a geração /vergonha ao fim de um milénio de nacionalidade

2----- A terra não pode ser vendida como se de um objecto descartável se tratasse . Deve ser , sim, detida pelos melhores de entre nós que lhe dêem o devido uso .
Na actual situação, em que se vive numa autêntica paranóia pela captura de investimentos ,a venda do Alentejo está a ser uma fonte receitas .Só possível , porem , devida a esta confrangedora abulia da comunidade rural local .Venda essa que , ,sendo legal ,nem por isso deixa de ser eticamente imoral. Isto só é possível por ter havido previamente o cuidado de tonar inoperacional as suas gentes
Ha razões do passado recente que levam a comunidade rural tradicional a abominar os campos . Foram cento e setenta anos de servidão inqualificável , de perda de identidade , de exclusão e maus tratos .O doce sabor que dimana do facto de ter terra e de nela exercer a actividade digna que lhe está implícita , com orgulho e grandeza de alma , foi-nos esbulhado . A existência de uma forma de estar no mundo rural , com seus diversos equilíbrios , foi apagada . E os campos , que deveriam ser um meio de manter em paz e sossego uma boa percentagem da população ; que deveriam ser como que a almofada que amortecesse os choque sociais gerados nas cidades ; que deveriam ser a fonte aonde fossemos beber identidade e regionalidade , perderam essa função . Daí sermos o que somos :-- uma presa fácil de abutres endinheirados que nos expoliam indecorosamente
Efectivamente a terra ´e mãe que nos alimenta que nos alimenta a mata a sede ; é espaço e refrigérios nossos movimentos ,onde logramos espairecer . Mas há uma condição :-- temos de merece-la e isso passa por preserva-la em nossas mãos , consciente de que ao faze-lo estamos a honrar os nossos antepassados e a passar á geração seguinte o nossos testemunho identitário

2.a)—Em parte alguma do mundo é possível processar-se ,assim pacífica , tal como acontece no Alentejo . Cada povo encontra as fórmulas necessárias e suficientes para obstar a ocupação do seu território
---No Brasil ,depois de comprar legalmente uma propriedade agrícola, pode perfeitamente acontecer ,algum tempo depois , aparecer alguém , acompanhado por um capanga convenientemente armado , reivindicando a sua posse ;
---em África , nós , os que fomos agricultores por lá , sabemos , por amarga experiência , que os constantes vandalismos impedem a permanência na actividade já que a terra é pertença comunitária a nível clânico , sendo objecto de permanentes reivindicações ;
--- o desenvolvimento da Irlanda deve-se á substituição dos latifúndios ingleses por agricultores locais ,circunstancia que foi decisiva mas nunca é mencionada ao analisar-se o seu fulgurante sucesso económico ;
--- na Europa , aonde estamos integrados , enquanto os nossos parceiros estão sistematicamente a comprar o Alentejo ,não há a menor reciprocidade em relação aos nossos emigrantes Não porque não seja legal mas tão só porque é pura e simplesmente impossível .

2.b)— Nós , no Alentejo , com as portas escancaradas de par em par, anuimos ,sem o menor sinal de inconformidade , á sua compra como se estivéssemos em saldo .
O Alentejo deve ser o único lugar do mundo aonde alguém , sem que sequer tenha havido o cuidado prévio de se saber quem é , quais os seu propósitos ou sequer a capacidade de integração na comunidade rural regional , pode comprar uma vasta área agrícola (não estou a falar de quintas ou pequenos espaços de recreio , residência ou espairecimento ) , confinante a uma aldeia ,cerca-la com solidas cercas de rede e arame farpado , acantonando assim as gentes que ficam impedidas de aceder aos locais de tradição. Resta-lhes a ligação das ás estradas que os levam na demanda da emigração , de trabalho para outras paragens Isto acontece em oitenta por cento do Alentejo .Parece incrível mas é verdade
Pelo que atrás se disse conclui-se que é ás populações rurais quem compete defender o seus espaço rural , nas suas múltiplas vertentes Que foi um êrro ,que se está apagar caro , terem-nos compelido a ser bem comportadinhos , obedientes e reverentes , de tal forma que , face a um estado manietado pelos acordos de livre estabelecimento , seríamos nós a indispensável força supletiva ,com legitimidade acrescida, que colmatasse as insuficiências do estado nesta matéria Não é isso que acontece .E isso está a ter um preço muito elevado

2.c)--- Até mesmo , entre nós , a tradição não é de venda de terra . As terras eram conquistadas pelos reis e ordens religiosas , que as mantinham como forma de engrandecimento pessoal .As gentes das aldeias tinham o seu quinhão em courelas que lhe eram cedidas pela forma de aforamento ou enfiteuse e a parte dos baldios comunitários de onde eram retirados sesmos sempre que se fizesse notar a falta de terra .Terra essa que , segundo a tradição , era pertença de quem a trabalhasse Não podia se alienada e era-lhe cassado o foro sempre que não cumprisse as condições da concessão
A extinção dos foros e o esbulho dos baldios ,na ultima metade do século XlX ,foi uma terrível machadada disferida no homem do Alentejo da qual até hoje não se recuperou
A instalação de uma classe de donos de terras que se apossou simultaneamente das terras , dos órgãos administrativos especialmente das abundantes forças da ordem , fizeram o resto

2.d)--- Lembro-me , no após a ultima guerra mundial , gaiato ainda , sentado no rabanejo da charrua , enquanto as bestas faziam uma aguada , comentar , com outros rapazes da minha igualha e olhando para a autentica muralha constituída pela cintura envolvente de grandes herdades , cujos donos eram gente absolutamente estranha , aonde , trabalhávamos até á exaustão., na qualidade de seareiros .Frugais , simples , empobrecidos , a um nível que hoje não se faz a menor ideia , não conseguíamos produzir o suficiente para alimentar a luxuria dos donos das terras .
Conscientes da injustiça que nos vitimava , era comummente aceite , entre nós , que , nem que fosse pela força do tempo , eles não se aguentariam e seriamos nós , os autóctones rurais ,que trabalhávamos nessas terras , na qualidade de seareiros(repito) , os continuadores , mas então libertos de tão inumana suserania. Isto baseado no facto de na vizinha Espanha (que fica a poucos quilómetros da aldeia) depois da guerra civil , uma dúzia de anos antes, terem , os seareiros das herdades , continuado nas mesmas terras ,mais tarde concedidas depois de expurgadas dos factores parasitários Estávamos convencidos que , em relação a nós , mais tarde ou mais cedo aconteceria uma reforma análoga Também a Espanha , muito antes da Irlanda , deve igualmente o seu desenvolvimento a uma política fundiária coerente

2.e)--- .Ao regressar a Portugal , uns anos após o revolução de Abril , constato que o nosso prognostico , de há trinta anos , na atrás citada conferencia em volta da charrua , se havia cumprido .Certos de que a opção pelo colectivismo era um acidente que não podia ter continuidade , entre nós , estava aberto o caminho mais difícil para trazer paz e produtividade e dignidade aos campos alentejanos O destino ,mais uma vez , foi irónico .A seguir a 1986 , fez-se um estranho recuou , para o pior ,se pior possa ser possível , do antes da revolução .
Agora que os fundos comunitários começam a ser aplicados mais parcimoniosamente , o nosso prognostico ,de meio século antes ,parecia que se iria cumprir .Senão quando , mais uma traiçoeira curva da história , duas gerações depois , vemos a transferencia da terra ,passando por sobre as nossas cabeças , e cair no regaço dos bem financiados espanhóis . È preciso ter azar .

3--- É este o Alentejo de hoje Ficaram ,em muitos de nós , lindos sonhos transformados em desilusões .Sonhos tão infantilmente acalentados , em volta de uma charrua , por uns tantos jovens ,imberbes e idealistas , que desconheciam que tinha de enfrentar uma força numericamente insignificante , mas imensamente poderosa
O Alentejo agrícola está definitivamente perdido para nós .Não faz mal ,dirão alguns . Outros , quaisquer que venham ,seja lá de onde for , é impossível que sejam piores do que estes que cá estão Mas isso é uma falsificação do problema .Nós não nascemos para sermos serventuários na nossa terra , mas sim para dete-la e com base nela exercermos ,em pleno ,o direito ao nosso regionalismo
Tal como está , na actual fase de grande mobilidade das gentes e mercadorias ,pode perfeitamente acontecer que vastas parcelas do Alentejo sejam possuídas por alguém ,com sede algures em Espanha , de onde parte administração , os trabalhadores e os factores de produção e para onde vai a produção aqui gerada ; para onde vão de férias, os doentes curarem-se , as mulheres procriar mantendo a nacionalidade ; outros morrer .Parcelas do Alentejo acabarão por ser uma feitoria fazendo parte integrante de um território estrangeiro , com parcelas descontinuas ,
O nosso negro destino , tal como o dos índios de Seatle , está traçado . Simplesmente porque , tal como o seu chefe disse ,também nós não fomos capazes de considerar que a terra é mãe e , como tal, defende-la
A não ser que ,------ - ( já que em nossas veias corre o sangue dos povoadores de 1375 que , por força da lei das Sesmarias , travaram o passo ás sucessivas investidas dos belicosos espanhóis fronteiriços ; dos que , dez anos depois , foram recrutados para Aljubarrota ; dos que , depois de 1640 , desbarataram , as sucessivas invasões que se lhe seguiram ; dos que , nos meados do século XIX , fizeram do Alentejo o celeiro de Portugal ----) a não ser que , como se disse atrás , haja um milagre e esse gesta nos volte a correr nas veias despertando-nos desta letargia .
FRANCISCO PÃNDEGA(agricultor )
e-mail:-- fjnpandega@hotmail.com
Blog:-- alentejoagrorural .blogspot,com

1 comentário:

Anónimo disse...

http://www.minhaterra.pt/destaque_1PDR.asp

Este trabalho está a ser elaborado pelo Grupo de Reflexão Estratégica no seio do Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas.

Ou como se costuma dizer, rir é o melhor remédio.

Boa Sorte !!!