AlentejoAgroRural
E a
Crise dos cereais
1---Há uma grave crise alimentar . Faltam e encareceram, no mercado , o trigo, milho e arroz e, por arrastamento , o leite e ovos .Esta escassez deve-se a múltiplos factores que vão desde o súbito aparecimento de novos consumidores ; ás erradas politicas cerealíferas impostas pela CE da qual o Alentejo é um claro exemplo de ineficácia ; assim como ao facto dos cereais e oleaginosas estarem ser convertidos em carburantes dado que os combustíveis de origem fóssil atingiram preços elevadíssimos A carne continua em excesso e sem aumento de preços Se bem a produção nacional esteja a arruinar agricultores e engordadores , devido á excessiva dependência dos cereais , o abastecimento do mercado processar-se-á ,a partir das zonas aonde a criação de ruminantes se faz em pastagens naturais e , no caso dos porcinos , complementada por resíduos das industrias agro-alimentares .
2---È neste contexto que se enquadra o AlentejoAgroRural . Analisa-lo á luz do moderno conceito da globalização , visando encontrar medidas correctoras , conducentes a superação da nossa ineficiência agrícola , é imperioso. Elas passam por adoptar sistemas agrícolas integrados que tirem partido das condições especificas regionais e, na região , de cada exploração agrícola e, nesta , de cada parcela segundo a sua vocação ecológica .Só assim se torna possível a produção de alimentos com custos suportáveis pelo consumidor e competitivos no mercado global , visando conferir a indispensável estabilidade alimentar perfeitamente possível .Claro que isso implica a existência de agricultores livres ,directos e participativos .É aqui que reside o nosso drama .
a)---. Após mais de vinte anos de integração na CEE (comunidade económica europeia ) e não obstante as imensas ajudas , não melhoramos a produção nem o bem estar rural .A não nos reorganizamos rapidamente e , com isso , melhorarmos a nossa prestação agrícola, vão sendo cada vez mais e maiores as nossas dificuldades na integração da nova ordem imposta pela OCM ( organização comum de mercados) .A nossa falta de êxito neste domínio não pode ser atribuída ao factores externos, nem sequer ao meio, mas tão só a nós mesmos dado não conseguirmos ultrapassar os constrangimentos fundiários que aqui perduram
E a situação agravar-se-á dado que a OCM, após assentar a poeira desta borrasca alimentar ,acaba por reactivar as decisões da Ronda de Doha de onde ressurgirá , com mais vitalidade , a liberalização do mercados dos produtos agrícolas Mas com regras ,que passam punir quem use o dumping ;que cultive tem ter em conta as protecção do ambiente ; avilte os direitos humanas ; produza alimentos portadores de perigosidade para a saúde publica
Pode até haver quem não goste da ideia ,mas ninguém quererá ficar de fora Podem surgir , aqui ou acolá , percalços , mas prosseguirá .. A nação que feche o seu mercado a importação de viveres acaba por ter represálias nas suas exportações É esta a nova ordem global .
b)— Com a liberalização das trocas comerciais agrícolas ( com regras ,como é obvio ) o mundo fica melhor em termos de abastecimento de alimentos .
Imagine-se a espantosa alteração alimentar que seria se cada região produzisse e enviasse para o mercado global os produtos agrícolas que as suas condições edafo-climáticas possibilitam fazer melhor
A faixa equatorial , produz frutos tropicais quase espontaneamente ( bananas ,abacaxi ,goiabas ,anonas ,abacate ,manga ,papaia e outras) substanciais e saborosas que , só por si , aliviariam a carência alimentar ; as pampas argentinas , o Brasil e a Africa Austral a produzirem gado bovino proveniente de manadio com baixíssimos custos de produção que constituem uma imensa reserva alimentar ; os EUA , Canadá ,França vocacionados para a produção de trigo e milho contribuiriam para a o equilíbrio produção / consumo desses cereais ; os colossais rios africanos ,de aguas mornas transbordantes , que decantam fertilidade , aonde se cultiva arroz , em simultâneo com a pesca fluvial , aproveitando a cadencia cíclica da alternância entre enchentes e vazantes , seria uma enorme fonte de produção sem grandes trabalhos de hidráulica agrícola ; Alentejo a produzir e enviar para o mercado global os produtos do montado (cortiça e porcos de montanheira ) e azeite e para auto-consumo uma vasta gama de produtos regionais , que constituem uma riqueza em termos de biodiversidade , capazes de satisfazer , para alem do consumo interno , um previsível turismo gastronómico para o qual temos condições excelentes .A produção nacional ,beneficiando das vantagens de ser consumida localmente , manter-se-á competitiva á concorrência vinda de fora .
Isto contem um recado :-- Cada região natural não pode cair na tentação de cultivar ,este ou aquele produto ,pelo simples facto de outras regiões o fazerem com êxito Cedo se arrependerá quem , caindo daí abaixo , ignorar este facto .. É tão absurdo um africano fazer uma plantação de sobreiros como um alentejano de bananeiras .Isto um exemplo multiplicável por muitos .
c)---Esta crise dos cereais , com efeitos na alimentação humana e pecuária , não tem razão de acontecer entre nós dada a vastíssima área de que somos detentores e os modernos equipamentos disponíveis que simplificam e rentabilizam os trabalhos agrícolas .Temos que abandonar este marasmo rural e optar por uma estratégia agrícola diversificada , na qual a componente cereais ocupe o espaço que o sistema de afolhamentos e rotação de culturas possibilitem .É-nos possível , por esta forma , atingir a quase autoficiencia de trigo que andará próximo do milhão e meio de toneladas ,mesmo prevendo um considerável fluxo turístico Em 1934 colhemos um milhão de toneladas de trigo mesmo com os primitivos meios agrícolas ,mas com muito saber na articulação com o meio .Hoje quedamo-nos pelas duzentas e cinquenta mil toneladas não obstante os fertilizantes e equipamentos eficientíssimos .Algo está ,pois, errado entre nós .
Mesmo havendo regiões com maiores produtividades unitárias , podemos produzir de uma forma bem articulada com o meio do que resulta um produto final com baixo custos de produção Desta forma resistiremos á concorrência , no abastecimento nacional , dado beneficiarmos das vantagens de não termos fretes nem intermediários . Alem disso e sem pôr em causa a solidariedade alimentar entre as nações , anda bem avisado quem providencie algum armazenamento para o que der e vier . É que , em época de crise, os preços sobem e a solidariedade alimentar pode transformar-se em palavra vã já que os governantes não deixam á mingua os seus concidadãos para abastecer outros
Temos que mudar de atitude e não continuar embevecidos perante uma vinha ou um olival de grandes dimensões ,pertença de sociedades cuja origem dos capitais e propósitos não são averiguados , que alardeiam um chorrilho de números e soluções mirabolantes tantas vezes falaciosas e não raro miragens inexequíveis Em contraste, nem se repara ao passar-se por áreas de vinha ou de olival , igualmente grandes e em modernização, pertença de agricultores directos e locais , filiados numa adega ou numa lagar cooperativos igualmente modernos Por todas as razões sejam elas económicas, sociais, politicas, patriotas e outras , os desígnios regionais são melhor conseguidos no segundo caso .
3.--- Agora que o actual governo empreende uma obra de regadio de gigantescas dimensões , mais uma razão para , não só no regadio mas em toda área designadamente os montados , serem objecto de uma exploração cuidada .E deixar de pactuar com o facto do Alentejo continuar a ser ,desde as invasões franco/espanholas , nos princípios de 1800 e até ao presente momento , palco de uma extemporânea colonização do tipo América Latina Aqui ,tal como lá , predominam as grandes empresas , com explorações monoculturais massificadas , que depressa se cansam ,para de seguida votar o espaço ao abandono, ás actividades lúdicas ou especulação fundiária , impedindo, com isso , que a comunidade rural local exerça a ruralidade que está na alma alentejana Para alem da instabilidade produtiva ,é duplamente ruinosa em termos politico/sociais já que, cá como lá, resultam irracionalidades politicas que, não raro , se transformam em turbulência .
.Nós pertencemos a uma Europa aonde tais situações há muito foram banidas E onde a instalação deste tipo colonial é absolutamente impossível A continuar assim , num Alentejo subaproveitado e sem uma classe rural residente defensora de certos valores ,algo de muito grave acontecerá . Acabar com direitos adquiridos de duvidosa legitimidade e fomentar uma ruralidade decente ,eis o que tem que ser feito quanto antes .Foi assim em 1375 , com a lei das Sesmarias , e, com isso, Portugal , revitalizando-se , dissipou as nuvens negras que pairavam sobre a nossa soberania .E bom ter em conta os ensinamentos da história
Francisco Pândega ( agricultor)/// fjnpandega@hotmail.com /// alentejoagrorural.blogspot.com
16.5.08
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