26.3.07

AlentejoAgroRural

HORTOFRUTICULTURA tradicional

A hortofruticultura alentejana , perfeitamente integrada no sistema agrícola tradicional , foi, até há pouco , uma fonte de alimentação abundante , saudável e diversificada ao longo do ano .

CADA ESTAÇÃO do ano era caracterizada por determinado tipo de alimentação em função do produto hortícola dessa mesma época
---. A primavera era a época das favas e ervilhas As primeiras refogadas com coentros e carne de porco e acompanhadas por abundantes e suculentas saladas de alfaces Toda a gente comia favas quer tivesse quer não faval .Ao ponto de as próprias padarias terem que reduzir o fabrico de pão dada o seu menor consumo .Também era o tempo das ervilhas com ovos , frango e borrego , já que a primavera era a período da postura das galinhas e da engorda natural dos animais
---- No verão toda alimentação andava em volta do tomate . Eram tomatadas com pimentos refogados em no pingo do toucinho e chouriço previamente fritos ; as vagens de feijão com grande incorporação de tomate ; grandes saladas e gaspachos com tomate e pimentos e pepinos ,temperados com orégãos , acompanhadas por paio, toucinho e azeitonas ; beldroegas ( uma erva espontânea das hortas ) com muito alho( para lhe extrair o acre ) e queijo de cabra duro cozido . , As frutas , aquosas e da época , eram melões , melancias , ameixas , que ajudavam a uma boa disposição após a refeição
---O Outono era a transição do verão para o Inverno e ,como tal, também dos alimentos A comida era mais pesada ..Sopas de couve com carne da salgadeira e de caça ; , de feijão com espinafres .Os frutos deixaram de ser sumarentos para dar lugar aos secos :-- designadamente uvas ,peras, ameixas , nozes ,figos , marmelos, romãs
----No Inverno ,quando o frio aperta o corpo precisa de ser compensado por gordura animal . Era o tempo das matanças de porcos ,sendo essa carne em conjunto com a de caça , cozinhados com repolho , grão de bico ou feijão , sempre acompanhadas por azeitonas ,rábanos , laranjas , para “desenratar “.

CADA PARCELA ,segundo as suas condições morfológicas específicas, tinha a sua própria formula de exploração a qual , por sua vez , era integrada num calendário agro-alimentar e tomando ,cada uma a sua designação :--- A horta , quinchoso , o ferragial e o alqueive
----A horta era cultivada no verão numa terra naturalmente húmida ,ou baixa lenteira , afim de reduzir o numero de regas e consumo de agua .Começam o trabalhos em Março , depois de feitos os alfobres , dando-se inicio ás sementeiras/transplantes de tomateiros ,pimenteiros , feijoeiros , pepinos ,abóboras , gilas ,cebolas, em terra armada em tabuadas aplanadas aonde agua , vinda das regadeiras , estagnava e infiltrava , de mansinho, nos canteiros junto aos caules das plantas
--- Quinchoso geralmente implantava-se junto a uma parede de um cabanão ou malhada , protegido do vento norte, sempre virada para nascente ou seja numa exposição soalheira Era fertilizado com as cinzas da lareiras , as varreduras da casa e limpezas dos galinheiros Mesmo nas dias de grande invernia ,lá se ia ,sob o abrigo de um” gabinardo” recolher hortícolas ou condimentos para a refeição do dia Era cultivado nas aguas novas (Setembro ) e nela semeados , para alem dos condimentos , alhos ,couves ,repolhos , rábanos ,espinafres , cenouras , nabos, alfaces e pouco mais
---- Ferragial Também para ser semeada nas aguas novas .Era uma parcela de terra compartimentada em três folhas uma das quais era estrumada todos os anos . Na estrumada era semeada uma parte de favas ,em linha ,afim de possibilitar a sacha já que havia muitas ervas daninhas trazidas pelos estrume .A outra parte semeava-se de alcacer (cevada branca e aveia ) para alimentação ,em verde , de solípedes (cavalos, muares e burros ) os quais , segundo os alveitares (antecessores dos veterinários ) da época , para alem de alimentar , provocava borreira (uma espécie de clister ) e com isso se fazia a limpeza ou desparasitação dos vermes intestinais
----Alqueive é uma lavoura ,no fim do Inverno , numa terra afolhada de forma a ter pousios de pelo menos três anos de idade . O pousio tem a função regeneradora da fertilidade dos solos devido ao descanso , elimina as infestantes por falta de mobilização e os as pragas e doenças por falta de hospedeiro compatível Esse alqueive ou ficava nu ,nas terras piores , ou era revestido, nas boas e mais húmidas .O revestimento era feito por meloal , grão de bico , feijão frade , abóboras e milho No caso do meloal de sequeiro também , tal como hoje , tinha stress hídrica (falta de humidade ) ,mas isso trazia a vantagem de concentrar num fruto mais pequeno um sabor e odor hoje raramente são experimentados
É neste alqueive integrado no sistema de afolhamentos /pousio que tem lugar o regadio, de hoje, no Alentejo , viabilizado pela mobilidade dos equipamentos de rega

FORAM OS ARABES quem introduziu ,entre nós, alentejanos , o sistemas de captação, elevação, armazenamento e distribuição de agua, em uso, nas hortas , até há meio século atrás Já la vai ,pois ,o tempo em que a agua do poço era elevada por uma nora accionada por um burro . Com os olhos tapados por “entronhos” , para não ficar “bêbedo” de tanto andar á roda , lá ia puxando o engenho que convertia o movimento de circulação em rotação vertical Atrás , dependurado no balancim , utensílio que o atrelava ao engenho ,punha-se um chocalho , que chocalhava com os balanços do balancim , e servia para duas coisas :--- logo que o burro parasse o chocalho deixava de tocar denunciando-o de que estava parado , do que resultava num chorrilho de insultos ao pobre animal .Também servia para abafar os passos de alguém que lhe estivesse na peugada pronto para , a qualquer momento que parasse ,o lembrar , de uma forma bem convincente , que a sua função era tirar agua .
E lá ia rodando , essa grande roda , formada por dois arcos paralelos , ligados , entre si , por varões de ferro , cuja espacejamento , era precisamente igual á articulação dos elos ,de uma espécie de corrente, na qual se dependuravam os alcatruzes .
Lentamente , rangendo , lá ia descendo , com os alcatruzes emborcados , em direcção á agua , com um furo no fundo afim de possibilitar a saída do ar na medida em que mergulhava na agua Depois de ir ao fundo dava-se inicio á da subida .Um alcatruz de cada vez emergia á tona ,já cheio , com o esguicho a vazar para o alcatruz imediatamente a seguir de forma que , quando chegavam a cima ,para vazar , ainda se mantinha cheio
Junto ao tanque havia nogueiras e figueiras , arvores de grande porte e muita folhagem no verão , sob cuja copa nos abrigávamos da inclemência do sol Era ai que se “ enresteavam” e se dependuravam ,a secar , as cebolas e alhos ; se abicavam as canas para armar os feijoeiros ; , se aparavam os paus ,de oliveira , para embardar os tomateiros ; se secavam , em estendais , os tomates ,pimentos , figos e abrunhos (ameixas Rainha Cláudia ,vulgo brunhos ) para conserva ; se secavam as semente ,seleccionadas da melhor proveniência , de tomates, pimentos , pepinos ,de abóboras , alfaces ,couves , feijão , cebolas , rábanos , nabos , espinafres ,destinados ao próxima época hortícola .
Era sob essa sombra que se dormiam as grandes sestas já que , nas hortas , o trabalho começava ao “romper da aurora” (uma hora e meia antes do sol nascer )e acabava ao por do “ar dia “ (uma hora e meia depois do sol se pôr )

ESTÁ EXTINTO ,, esse passado recente Os montes estão abandonados ou são adquiridos por bem financiados estrangeiros apostados numa politica de expansão territorial que , contrastando com o nosso atávico desprezo pelos espaço regional , descuramos a sua preservação no seio regional . Perde-se assim a possibilidade , de exercer este”saber fazer”, precioso ponto de partida para uma modernização auto-sustentavel do regadio regional . Perdem-se ,também ,aqueles valores socio-económicos -culturais e acentua-se a dependência de Espanha ,já que é daí que se importam as hortofrutícolas que consumimos
De Espanha , destes nossos ousados vizinhos, que desde há muito ultrapassaram os problemas que aqui nos transem , melhor fariam se , em vez de se substituírem aos responsáveis por esta devastação socio-económica , nos ajudassem , com a sua experiência , a superar esta crise existencial de características agro rurais .
Perde-se definitivamente esta valia económica /alimentar ; este prazer de produzir e comer os produtos por nós produzidos ; o deleite contemplativo deste que é um delicioso jardim hortícola .Sendo a hortofruticultura uma actividade , mais do que dispêndio de esforço físico , exercida com saber meticuloso , próprio de velhos e crianças , também ,com isso , se perde esta formula de relacionamento inter-geracional
Fica a nostalgia bucólica como que se um pedaço de nós próprios fosse depredado em troca de valores fungíveis que nos tornam dependentes e profundamente frágeis, impostos pelos urbanos . E, com isso , acelera-se o grande drama da perda de soberania espacial ,consentida por uma sociedade que Salazar castrou , em termos de intervenção fundiária , que inexoravelmente desembocará , tal como em Navarra , num estranho tipo de escravatura agro-laboral . Francisco Pândega (agricultor )/// fjnpandega@hotmail.com /// alentejoagrorural.blogspot.com.

9.3.07

AlentejoAgroRural
E A
COLONIZAÇÃO AGRÁRIA

1--- O Alentejo é uma imensa e riquíssima região agrícola, cujas potencialidades estão muito aquém do seu possível aproveitamento. .Estima-se que, com a actual relação homem / terra, apenas tem um quarto da produção agrícola, da população residente, assim como do crescimento económico. Daí que a pobreza, a falta de dinamismo, o despovoamento, a debilidade económica aqui existentes, não resultem de falta de aptidão nem do meio nem das suas gentes, mas tão só de uma estranha colonização, que aqui se instalou há cento e setenta anos, aquando da venda dos bens nacionais. O facto de sermos uma das regiões mais pobres da CE só se deve á nossa incapacidade impor justiça fundiária. Nem o resultado poderia ser outro, quando de permite que cerca de dois mil oligarcas colonizadores detenham três quartos da região e, de longe, procedem a uma vil exploração por intermédio de seareiros, rendeiros, de pastores, grupos de trabalhadores rurais de e outras formas , sempre precárias, limitativas e onerosas, que invariavelmente conduzem á penúria e a uma subserviente dependência Com isso destroem a comunidade rural que perde a identidade e , acima de tudo, criando-nos uma imagem de inaptidão para assumir o desenvolvimento regional Acontece isto numa época em que o agricultura é uma actividade que se pretende nobre , muito exigente em conhecimentos e assiduidade, cujo núcleo de trabalho compete a famílias residente, que vão transmitindo a sua experiência a novas gerações, detentoras de mais saber fazer , a partir dos quais se forma uma elite agrária constituindo-se no pilar base da região.

2---- Tal como numa floresta, aonde não se divisa a arvore, também nós, por falta de elementos de comparação , não vemos que esta forma colonial de posse da terra nos arruína completamente. Perdeu-se a noção das proporções e o respeito pela comunidade rural autóctone a qual depois do malogro da reforma agrária não mais se reencontrou consigo mesma Neste ciclo fechado, sem elementos de comparação, assume-se afastada definitivamente do acesso ao seu espaço ancestral como se um atavismo genético se tratasse . Mesmo os emigrantes que vão para países aonde o mundo rural está organizado, não chegam a entendê-lo porque pura e simplesmente lhe esta vedada a sua participação
Quem me ler interrogar-se-á....! E o que o leva a pensar que o Alentejo está colonizado e como tudo isto poderia ser diferente? É simples. Eu explico Estive submetido, tal como a totalidade dos pequenos agricultores da região, ás vicissitudes fundiárias aqui vigentes. Pequeno agricultor de aldeia, seareiro nas herdades da periferia, trabalhador rural. Logo sei do que falo por experiência vivida na própria carne. Quis o destino que, por incapacidade de pactuar, durante mais tempo, com tal situação, emigrasse para Africa aonde me converti de colonizado a colonizador ou seja numa situação inversa á que havia estado submetido no Alentejo Tal e qual como o comum a muitos dos donos do Alentejo, integrei os quadros da função publica, com todas as mordomias que a que a função propicia. Obtive muitas terras aonde exercia a actividade agrícola , de uma forma muito marginal, ao bom estilo do colonizador Alentejo. E garanto-vos que foi bom, enquanto durou.
. Mas a certa altura começou a aparecer no horizonte uma diferença substancial entre os colonizados africanos e os alentejanos. Nós, colonizados no Alentejo deixávamos, sem queixumes que os grandes colonizadores nos pusessem a bota latifundiária no pescoço e nos espremessem até ao tutano. Já os africanos tinham a noção de posse da terra como um património colectivo que os levava a organizarem-se para a sua defesa
Os roubos e os vandalismo eram a forma de nos afastar .As queixas ás autoridade locais, muito solicitas na sua recepção, resultavam invariavelmente em mais incursões , por eles próprios , para quem revertia o espólio . A nossa presença na actividade agrícola tornou-se impossível. E fiquei com a certeza que uma colonização agrária, seja aonde quer que for e por quem quer que seja, não resulta quando contra a anuência das comunidades rurais residentes De todo o mundo se erguiam vozes condenando a nossa presença colonial sendo a questão da terra a que mais exacerbava os ânimos, Ate dos campos alentejanos, precisamente por parte daqueles que aqui estavam numa situação análoga á dos indígenas de lá, vinham vozes contra nós, Sem olhar para si próprios, mais frágeis e incapazes do que eles ,mais valia que cuidassem de si próprios .

3--- A situação aqui presente é mais avassaladora do que foi de Africa, Enquanto lá a concessão da terra era por aforamento, condicionado ao bom aproveitamento, e só depois de se ter verificado que não afectava as populações indígenas, era concedida Assim como era nula e sem valia a aquisição que se fizesse aos indígenas Não havia desculpas para o apossamento abusivo Estamos a falar de legislação produzida pelo mesmo governos que governaram cá e lá, simplesmente para lá acautelavam-se as necessidades das populações Enquanto isso, aqui, no Alentejo, cujos donos incorporavam os governos , nós, os aldeãos rurais, éramos , para eles ,e ainda somos, ninguém. Os custos de nos terem destruído como comunidade rural são imensos . A falta da nossa acção, como elementos de dissuasão, contra os apetites que impendem sobre os nossos território, é irreparável. Asneiras desta pagam-se sempre caras. Ou será que tudo isto foi calculado com minúcia e antecipação?
Temos presentemente um excelente governo que tenta controlar certos direito adquiridos que nos arruínam como nação Acho, porem, que tarda na tomada de medidas no sentido de disciplinar a actividade agrícola no Alentejo Tanto mais que a transferência para alienígenas se está a processar a uma velocidade impressionante . Mais algum tempo e perde-se o controlo .
Uma medida aplicada , há dias, pelo governo, serviria na perfeição, com as necessárias adaptações, para a presente situação alentejana Estou a falar da OPA hostil sobre uma empresa considerada estratégica, mas blindada afim de afastar aquisições indesejáveis. Com muito mais razões, dado que se trata dos fundamentos da pátria, não se compreende porque não se blinde o acesso a terra a quem não esteja em condições de se integrar nos superiores desígnios regionais. Francisco Pândega (agricultor) E-mail// fjnpandega@hotmail.com /// blog – – alentejoagrorural.blogspot.com.